The Beatles
Houve uma vez há 40 anos...


Por Marcelo Sanches

Que tal um ano em que os Beatles e Bob Dylan lançaram 4 álbuns, dos quais pelo menos três são obras primas das mais brilhantes na história da musica popular, e todos eles lançados dentro de um período que durou 9 meses? Alguma coisa acontecia naquele momento, mas você não soube dizer o que era, soube Mr. Jones?

Hoje, 40 anos depois, dá pra se fazer uma pálida idéia.

Poucos momentos na história da música popular mundial tiveram tanta importância como o ano de 1965, há 40 anos atrás! Foi a fase em que as grandes estrelas pop influenciaram-se mutuamente, trocando informações e fontes inspiradoras. Bob Dylan influenciou os Beatles, que passaram a utilizar elementos da musica folk em seu rock and roll, além de melhorarem substancialmente suas letras, que passaram a versar sobre temas mais complexos que iam muito além de romances adolescentes e desilusões amorosas juvenis. Dylan também apresentou a maconha aos garotos de Liverpool, fazendo com que tivessem pensamentos e posturas transcendentes, que culminariam no psicodelismo e nas suas futuras experiências musicais inovadoras.

No entanto, o movimento contrário também aconteceu: Bob deixou de tocar apenas folk music, acrescentando o instrumental elétrico em suas gravações e reproduzindo harmonias mais extensas e ricas, coisa que a dupla Lennon & McCartney já fazia com espantosa habilidade. "Acho os acordes dos Beatles surpreendentes, e as harmonias que constroem são super válidas. Para tocar esse som você precisa ter vários músicos. Eu sei que eles estão apontando para a direção certa da música", declarou Mr. Zimmermann na ocasião, dando uma explicação pra uma crítica estupefata com seu novo álbum..

O primeiro resultado concreto desta confluência magnífica está no LP "Bringing It All Back Home", lançado por Dylan em março de 65, com um lado folk de voz e violão (para não desagradar ao seu público mais tradicional de então) e outro de rock básico, com guitarras, baixo e bateria. Uma explosão!! Aqui estão clássicos como as acústicas "Mr Tambourine Man", "It's All Over Now, Baby Blue", e as elétricas "Subterranean Homesick Blues" (uma precursora do rap, com seu canto falado, por que não?) e "Maggie's Farm", entre outras. Dylan deixou de lado as sérias canções de protesto e passou a cantar poesias concretas, letras aparentemente sem nexo, mas recheadas de alusões às drogas, ao cinismo, à vida on the road e ao deboche em cima dos padrões do american way of life ("Ei, senhor que toca tamborim, cante uma canção pra mim/ estou sem sono e não tenho pra onde ir, e quando surgir a desconcertada manhã/eu estarei atrás de ti"). Um disco histórico, imperdível e essencial! Daí veio a idéia de seu título, uma espécie de "Manda tudo isso de volta pra casa", ou seja, "deixem-me fazer meu novo som, mandando o que já é velho para onde sempre esteve, nas tradições".

O clima de gravações do LP foi, no mínimo, improvisado. Alguns músicos que tocaram nas sessões -que duraram apenas 3 dias- lembram-se de não saberem direito os acordes das musicas, e que Dylan simplesmente pedia para que não "esquentassem a cabeça" e tocassem de improviso, olhando para os acordes que ele fazia na sua guitarra. Ás vezes, a banda parava de tocar no meio de um take, tudo porque Bob começava a dar gargalhadas dos erros que todos cometiam ou porque eles disparavam a tocar antes que ele completasse a contagem inicial. Enfim, quando lançado, "Bringing It All Back Home" foi tão malhado como elogiado, provocando uma divisão que marcaria a história da carreira de Dylan; uns exigiam que ele voltasse ao folk puro, enquanto outros vibraram com aquelas melodias curtas e marcantes, de letras quase psicodélicas, tocadas em cima de uma base rock. Tudo era possível, era essa a mensagem ("você não precisa de um meteorologista pra saber pra onde o vento sopra", diz a letra de "Subterranean Homesick Blues"). Apenas 5 meses meses depois, em agosto, Bob concretizou a guinada de seu estilo lançando o ainda melhor "Highway 61 Revisited", álbum completamente elétrico, e com os clássicos "Like A Rolling Stone" (considerada uma das canções mais marcantes de todos os tempos, segundo pesquisa recente da revista inglesa UNCUT) e "Ballad Of A Thin Man" (com a famosa pergunta "algo está acontecendo aqui, mas você não sabe o que é, sabe, Mr. Jones?").

Em julho, entre as duas obras Dylanescas, os Beatles apareceram com o filme e o álbum "Help!". O filme trazia referências da cultura indiana (que mudaria para sempre a vida de George Harrison). Já o LP representou um grande passo na evolução dos Fabs, mostrando, por exemplo, que eles podiam sim escrever uma canção com toques eruditos: "Yesterday", obra irretocável de Paul McCartney. Mas já havia sinais evidentes da troca de influências com Dylan, principalmente nas canções de Lennon; em "You've Got To Hide Your Love Away" John reproduz nitidamente o acento folk típico dos temas de Bob, quase lhe imitando o vocal e a levada preguiçosa no violão. Além do mais, a letra fora inspirada em Brian Epstein, um homossexual, com Lennon procurando retratar a difícil situação vivida por alguém com opção sexual diferente em meio a um contexto machista. Em "Ticket To Ride", John escreveu uma letra retratando a partida de uma mulher que decide viajar sem seu companheiro e contra a vontade deste, numa sutil referência à emancipação feminina. Em "It's Only Love" ele se revela um garoto tímido que treme na frente da força de sua amada; e por aí a coisa foi. Musicalmente, "Help" já sinalizava um uso cada vez maior do timbre acústico, com acompanhamento mais intenso de violões e de vocais menos formais e mais improvisados, como na faixa título.

Mas a gota d'água e o fechamento de ouro deste ano seria com "Rubber Soul". É o disco mais unplugged dos Beatles, com temas melódicos delicados, percussão eficiente e minuciosa de Ringo Starr mais os arranjos predominantemente acústicos, como "Michelle", "I'm Looking Through You" e "Norwegian Wood", esta última uma descrição de um affair romântico de Lennon com uma garota independente, que usa o parceiro apenas para fazer sexo, invertendo os papéis, saindo no dia seguinte para seu trabalho sem que ele ao menos soubesse seu nome. É a afirmação da temática do feminismo iniciada em "Ticket To Ride". Em "Nowhere Man", John fala do homem comum que no fundo comanda o mundo, o anônimo cidadão, e que não tem consciência do seu poder dentro da sociedade capitalista. Em "Girl", novamente ele se coloca como um 'pobre tolo' diante de uma mulher sorrateira e sem escrúpulos que está sempre na iminência de traí-lo ('ela é o tipo de garota que te faz sentir-se um tolo, quando os amigos estão ao redor'). Neste álbum, um marco dentro da musica pop e do rock, os Beatles deixam de lado a eletricidade e o ritmo acelerado do rock pra entregarem-se com habilidade aos arranjos acústicos claramente inspirados no folk e em letras mais sérias, num movimento contrário aos de Dylan, revelando assim a imensa e criativa troca de influências que ambos realizaram naquele precioso ano de 1965.

marcelo@marcelosanches.com.br








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