The Beatles
Os Beatles
no auge de sua Música

Comentários, curiosidades e reflexões sobre os Beatles e seu último disco


Carlos Donadio Ribeiro

No dia 26 de setembro de 1969 (uma sexta-feira) foi lançado o Abbey Road no Reino Unido, enquanto que nos Estados Unidos esperou até a quarta-feira seguinte, 01 de outubro de 69. No Brasil o lançamento ainda atrasaria mais de um mês, tendo sido lançado em novembro, provavelmente segunda quinzena. Estamos portanto em pleno período festivo de comemoração desse marco da música gravada no século 20 e forever.

O álbum mostra os Beatles no auge de sua música, apesar de todas as tensões e incertezas que envolveram a gravação, com John Lennon se recuperando de um acidente com a família na Escócia em meados de 69 para ir direto para o estúdio, onde Paul já malhava sua parte semanas a fio.

Comentários e curiosidades: "I want you (she s so heavy)" não é propriamente das sessões do álbum, pois foi gravada meses antes. "Come together" foi a contribuição carro-chefe de John, logo quando se envolveu nas gravações definitivas.

Uma definição clássica e estranha que fazem volta e meia sobre esse disco é defini-lo como "um lado John", outro lado "Paul", justamente um dos discos que possuem a melhor unidade na carreira do quarteto, apesar de I want you parecer um apêndice e meia perdida no disco. Se as músicas, em sua maioria, não estão entre as mais conhecidas e brilhantes, o efeito total do álbum faz dele uma obra de despedida que merece a frase "this is a new fase beatles album" que acabou ficando para o Let It Be oficial e uma promessa não cumprida... Quem acredita na tal história dos lados, basta ouvir e conferir o selo (valeu Zappa, mas às muitas vezes nem o disco ouvem direito...).

O lado A reveza os quatro em vocalização e composição, incluindo backing vocais e tudo que um disco beatle teria direito; e o lado B mostra os 4 integrados em várias de suas melhores músicas. John comparece com Because, Sun King, o delicioso medley Mr.Mustard/Polythene Pam, George abre o lado B com uma de suas mais cândidas composições e no medley da parte final eles se revezam na guitarra, além do solo de bateria de Ringo. Paul acaba fechando o lado B, mas sempre com a participação dos 4, do mesmo modo como John fechou o lado A com os demais colaborando. Engraçado isso de buscar defeito nos Beatles justamente quando eles estavam em seu melhor... e com os argumentos mais estapafúrdios. Jô Soares, por exemplo, já disse em rede nacional que os Beatles estão "descaracterizados" na fase final. Se ser "descaracterizado" é cometer Abbey Road e Let it Be, que continuassem assim por mais tempo.

Outra grande bobagem a respeito foi John Lennon ter dito de Abbey Road ser "um disco sem vida"... Aliás, é de se perguntar porque John, dizendo em tantas entrevistas quando do fim do conjunto que o som dos Beatles não lhe agradava e preferia rock and roll mais simples, tenha se obstinado durante sua carreira solo a fazer musicas tipicamente "beatle"ou aproveitar as sobras da última fase com o conjunto: Mind games, Jealous Guy, One day (At a Time), Dream n.9, Beautiful Boy... Essa constatação invalida qualquer negativa de John contra o som e a música dos Beatles, e particularmente contra Abbey Road, como uma opinião indigna de qualquer crédito.

O fato de Paul ter se destacado na edição do álbum é normal e não depõe contra ser este um disco BEATLE, se despedindo no seu auge. Há até momentos pungentes e raros, como a força que George deu para Ringo durante a composição de Octopus Garden, aliás um belíssimo momento do álbum.

Consta que um título cogitado e descartado foi "Everest", com os quatro em frente à montanha do mesmo nome. Provavelmente idéia de Paul. Mas na última hora, com a capa já atrasada, alguém no estúdio sugeriu que seria mais fácil ir lá fora e tirar umas fotos... Ficou mais charmoso, mas como "Everest" aposto que não ia destoar: o maior grupo do mundo no cume de sua criatividade.

Mas a sessão de 8 de agosto (data das fotos da capa) não foi a última sessão de fotos dos Beatles. Aquela famosa sequência da coletânea americana "Hey Jude", na casa de Lennon foi feita semanas depois. Um mistério é o clip para Something, com os quatro com suas respectivas esposas: feito durante ou depois da gravação do álbum?.

Consta também que os lados foram invertidos na edição final, pois o medley era para sair no lado A e o disco se encerraria com I want you (she s so heavy). Acho que ficou melhor como saiu, embora seja curioso pensar no disco terminando desse jeito, com os Beatles acabando justamente por força de Yoko e John;

Her Majesty ficou naquela estranha posição porque foi cortada de uma parte do medley (não é difícil descobrir qual) e Paul gostou do lugar em que o engenheiro do estúdio havia deixado a vinheta e decidiram lançar assim. Fragmentada, é um bom prenúncio de como a carreira solo de qualquer um deles se ressentiria da escola beatle onde todos se forjaram.

Finalmente, o disco desmente a ingrata alegação de George, de que não davam espaço para seu talento: logo quando ele amadureceu de vez, mereceu duas faixas nobres logo no início do disco e mais um lugar de honra no single respectivo, como já havia ocorrido em Revolver, Lady Madonna (tirando lugar do próprio John), o destaque em Yellow Submarine, a generosa quota do Álbum Branco, que não são a oitava maravilha do mundo, exceto a obra-prima com a canja de Clapton. Pena que essa fase de ouro não foi muito longe, e seu álbum triplo sejam todos do empuxo dessa fase final do fim dos Beatles, chegando até "Give me love", lançada em 73 com dois anos de atraso. O culto de George como guitarrista solo se torna estranho ao ouvir esse disco, já que sua música não faz sentido sem os Beatles. E os que querem puxar para um canto seu "guitar man George" ficam sempre sem saber o que dizer diante de discos recheados de arranjos de teclado como Living in the Material World e Extra-Texture, este um disco de clima "mood" que é ótimo complemento ao lado "Abbey Road" de George Harrison.

Abbey Road, bem ouvido e compreendido, coloca no devido lugar muitos mitos e lugares comuns a respeito do quarteto. Pena que um perfeito "new phase Beatles Album" mostre essa nova fase acabando justamente ali. Portanto, encaremos o desafio de montar outros Abbey Roads e Álbuns Brancos com as melhores músicas da carreira solo, deixando outras para medleys de lado B... (Eu, que não me conformo com os buracos e pontos baixos da carreira solo, já montei um chamado simplesmente "BACK TO THE (ABBEY) ROAD" com as músicas solo de 69-70: Instant Karma, My Sweet Love, Oh Woman Oh Why, Cold Turkey, etc, e um medley no lado B com What is Life, Oh My Love, vários medleys de Paul e John como Gimme some truth/Isolation, com o som da explosão e tudo e, no fim, Oh Yoko e Goodbye... Gostou da idéia? Mas seria assunto para a sessão Beatlefics em outra ocasião).

Se o mundo fosse justo, outros Abbey Roads teriam surgido durante os anos seguintes e o próprio Paul, em Ram tentou uma produção e conceito semelhante, com vários medleys, na melhor sonoridade que ele já obteve para um disco solo. Mas o problema é que John Lennon, como todo mundo na vida, também tinha lá suas razões. Mesmo que de certa forma tenha também morrido por elas, como o acidente que o levou de volta aos estúdios já prenunciava, mais de 10 anos antes. As carreiras solo seriam a eterna busca da compensação e da unidade perdida, ecos, cacos e fragmentos de Abbey Road, a falta que John fez no disco de Paul, a falta que Ringo e George fizeram e foram chamados para preencher em diversas, a falta que Paul fez no disco que John Lennon gravou com Elton John... (Falar no Mr.Piano Player, alguém já reparou que ele sintetiza, numa pessoa só, o melhor artífice da balada beatle nos anos 70? Seus primeiros discos solos são incrivelmente bons, mesmo que não sejam para ouvir todo dia e esta opinião seja rejeitada por quem não acha estranho um guitar man como George ter gravado coisas como Extra-Texture...).

Mas comparando com outras carreiras solos, cada ano depois de 1970 mereceria uma caixa com a inscrição The Beatles, como no álbum branco, em relevo, mudando apenas a cor: a caixa cinza de 70, a caixa amarela de 71, a caixa azul de 72, a caixa verde de 73, a caixa rosa de 74... Só para acabar com o juízo duvidoso de que os Beatles acabaram de vez em Abbey Road...








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