The Beatles
Carreiras solo?

Muito se comenta sobre as diferentes direções escolhidas pelos ex-beatles logo após a separação da banda. Mas do ponto de vista artístico, pouco realmente mudou. Se o peso que a chancela Beatles exerceu nas composições pós-beatles fosse desconsiderado, teríamos canções como Junk e All Things Must Pass com muito mais destaque histórico do que geralmente lhes é dado. Os próprios álbuns McCartney e All Things Must Pass (ambos de 1970), são certamente evoluções naturais do White Álbum (1968) e Let It Be (1969-1970).

Por esse motivo é que soa muito estranho, algo que incomodava os próprios protagonistas, o fato da marca Beatles ser tão determinante. Em hipótese: Beware Of The Darkness e Maybe I'm Amazed sendo gravados para o projeto Abbey Road, de fins de 69. Logicamente que teríamos arranjos diferentes (vide ATMP para as Get Back Sessions, como um exemplo) ou talvez nem tanto (Teddy Boy, para as mesmas sessões). Mas a proposta artística permanece imutável.

Certamente, John Lennon e Ringo Starr foram os ex-beatles que conceberam as maiores mudanças em sua arte. Ringo se reiventou e passou de baterista para crooner de orquestra, band leader, etc (com uma pequena ajuda de seus amigos, é de se notar). Fez de si um exemplo perfeito de ícone pop dos anos 70, mas, mesmo com essa mudança de proposta, ainda podemos encaixar canções como It Don't Como Easy e Photograph dentro dos Beatles. Ringo passaria o resto de sua carreira tentando retornar à antiga proposta artística beatle, sempre com sucesso. Já John Lennon decidiu levar o divórcio às últimas conseqüências, e fez do fim dos Beatles um outro divisor de águas para sua arte (até então, ele já tinha marcos como Tomorrow Never Knows, Strawberry Filds Forever, Revolution #9, o Wedding Album, etc.). Fez de seus interesses políticos e humanitários o principal alvo de sua proposta, sem se importar com quaisquer indícios de continuidade artística. Já nos seria impossível imaginar canções como I Found Out ou mesmo Cold Turkey dentro dos Beatles (o que provavelmente foi o fator contribuinte para o seu veto pelos outros integrantes).

Mas mesmo Lennon continuaria a flertar com a idéia artística original dos Beatles em vários pontos de sua carreira, como as canções Imagine, The Luck Of The Irish, Mind Games, e Whatever Gets You Thru The Night podem muito bem atestar. Até que, em 1980, Lennon apresenta quase que um regresso a esse conceito, com o álbum Double Fantasy. Para o mundo ocidental capitalista chauvinista, esse sim esboçava o verdadeiro regresso de Lennon. Mas a verdade é que ele se encontrava em um período artístico muito fértil, com um gás tremendo que ele mesmo relacionara aos primórdios da banda lá atrás, do começo dos anos 60, dos clubes de Hamburgo, das lotadas apresentações no Cavern. Isso é somente um mostrador que os Beatles na verdade nunca deixaram de ser Beatles.

O melhor exemplo de tudo isso, por irônico que pareça, é o álbum Abbey Road, o último disco concebido pela banda, ou quando a chancela ainda valia legalmente, ou quando os quatro ainda freqüentavam o mesmo estúdio, se preferirem. No momento mais crítico da carreira da banda, quando cada um demonstrava vontade de seguir seu próprio caminho, cada um envolvido em demasiado com seu projeto pessoal, surge um esforço de todas as partes, inclusive do produtor George Martin, de mostrar a banda em seu primor. Considerado por muitos como o melhor trabalho da banda, é intocável, e assim deve permanecer. Seria um absurdo tentarmos conceber um "Abbey Road Naked".

Por fim, só nos resta esperar que o preconceito se esvaeça para começarmos a fazer uma justiça histórica. Por mais diferentes que foram esses quatro cavalheiros, eles sempre serão iguais, assim como a continuidade de sua arte a partir de 1970.

Jan/04
Rafael Godoi








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