O Rock de Liverpool

Por Paulo Victória

Gerry and the Pacemakers


Searchers, Gerry & The Pacemakers, Billy J. Kramer & The Dakotas e Swinging Blue Jeans foram alguns dos 400 grupos de Liverpool em 1962 que conseguiram sobreviver graças à sua sólida direção. Isso sem se tocar, é claro, nos Beatles.

Em Liverpool existe uma rua chamada Mathew, perto do mercado de frutas da cidade. Nesta rua, em 1961, começaram a acontecer coisas estranhas.

Ali existia desde 1957, um clube chamado Cavern, onde se podia ouvir jazz. Lá tocaram algumas estrelas do jazz inglês do passado, como Acker Bilk e Chris Barber, entre outras.

Billy J. Kramer E, enquanto a América parecia Ter acordado do pesadelo do rock'n'roll nos braços dos bem comportados Paul Anka e Neil Sedaka, em Liverpool o som de Elvis e Little Richard agitava, fervilhava no espírito da moçada.

No início, o Cavern, eram uns garotos que mal arranhavam uma guitarra, fazendo um som inarticulado, barulhento, cru, sendo aplaudidos por outros garotos também rebeldes e barulhentos, que começavam a tirar a Inglaterra do sério.

A pressão desses jovens e seus grupos era tanta, que no Cavern, o Iron Door e outros clubes começaram a reservar algumas noites para eles. Acabaram reservando todas, quando, a partir de 1961, um apresentador chamado Bob Wooler tornou o Cavern a Mecca do Merseybeat.

É verdade que tudo isso não nasceu do nada. A Inglaterra, que tinha absorvido bem o impacto da Revolução Industrial, não estava conseguindo resolver os problemas gerados pela automação das indústrias e pela marginalização econômica do Mercado Comum Europeu. Os ingleses ganharam a guerra e perderam o império. Liverpool, por sua vez, era uma concentração de problemas sociais não resolvidos.

E a revolução veio. Mas de uma forma totalmente inesperada: numa oposição radical aos valores estabelecidos, ao consumo, à ordem pública, à moral sexual. Enfim, à procura de uma nova forma de viver e enxergar o mundo, deixando de lado a rainha, os lordes, o passado, tudo.

Uma comunidade - Em 1962 existiam aproximadamente 400 grupos em Liverpool. Era como dizia Ringo: "Em Liverpool havia tantos grupos, que a gente praticamente tocava uns para os outros." Era uma comunidade, todos se conheciam, todos se curtiam.

Também é verdade que da mesma forma que apareceram deixaram de existir. Somente os que tinham uma direção mais sólida conseguiram sobreviver. Era o caso dos Beatles, Searchers, Gerry &Pacemakers, Billy J. Kramer & Dakotas, Swinging Blue Jeans e Cilla Black, a primeira cantora do Liverpool sound. Eram todos filhos da baixa classe média e com passagem pelos clubes de Hamburgo, Alemanha.

Os Beatles, é uma história bem conhecida. Muito ligada, como a dos outros, a Brian Epstein, o homem que vedeu a imagem do grupo e expandiu a beatlemania mundo afora.

Os Searchers eram considerados o segundo grupo de Liverpool e o primeiro a vencer sem ser empresariado por Epstein. Eram bem balançados, com uma vocalização sofisticada, inspirada nos Everly Brothers, que influenciou muitas bands na década de 60. Na época, suas apresentações eram consideradas melhores do que as dos Beatles. Hoje, ainda continuam atuando em cabarés e clubes pela Inglaterra.

Swinging Blue Jeans Os "Swinging Blue Jeans" era rock puro. Tiveram um grande sucesso "Hippy Hippy Shake" - um clássico do Liverpool sound. Ao lado de Gerry & The Pacemakers (o modelo do Merseybeat sound), e Billy J. Kramer & Dakotas, atuavam em Liverpool desde 1959, sendo precursores do Mersyboom dos anos 60.

Produto de mercado - Mas, mal nasceu, o Liverpool sound foi comercializado. Os grupos, que viviam em constante contato na cidade, pois os clubes e pubs eram próximos, começaram a ser separados pelos contratos com gravadoras e empresários. O que era um movimento criativo, perdeu as suas raízes iniciais para se tornar um produto no mercado. Logo, quem não tivesse apelo comercial, não tinha mais chances.

E assim surgiu o rock-business, criando mistificações do tipo dos Monkees e Bee Gees, que adoçaram a pílula para um mercado mais amplo.

Com a morte de Epstein (agosto de 1967), esse pessoal aos poucos foi desaparecendo à exceção dos Beatles, colocando Liverpool em uma posição secundária no movimento pop inglês. Bob Wooler ainda tentou reeguer o Mersey sound lançando novos grupos. Isto pode ser visto num disco lançado aqui em 1968: "Liverpool Today, Live At The Cavern", com os grupos Earl Preston Realms, Richmond Group e o cantor Michael Allen, nenhum com grandes qualidades. O Cavern virou história.

Novos tempos - Depois disso, Liverpool passou muito tempo sem se destacar no mercado musical inglês. Finalmente, no fim de 1975, com a reedição de velhos discos dos Beatles, alguns de seus grupos começaram a despontar nas paradas.

Essas bandas nada tinham a ver com o Liverpool sound original. Na realidade são bandas como os péssimos Liverpool Express, os funky Real Things e Our Kids, garotos de 12 a 19 anos, grupos simplesmente dançáveis.

Liverpool é a mais americanizada das cidades inglesas. Lá o folk, o soul music, o ritmo discoteca têm um ótimo mercado. O balanço está na alma da cidade. E lá começaram a surgir novas bandas como o Fancy Dancers (que faz o gênero black), a Merseypipi Jazz Band e o Deaf Scholl (de R & B e funky), ambas muito populares e com algumas gravadoras interessadas. E mais: 29TH and Dearborn, a Beryl Marsden Band, consideradas muito boas, fazendo rock e muito balanço. O caso de The Paddy Bean Set é especial, pois Paddy Bean é um baterista estilo Keith Moon, e sua banda atrai os músicos da cidade e os velhos curtidores do Merseybeat. E a Vice-Versa, uma banda de rock pauleira, talvez seja a primeira banda punk de Liverpool.

Tudo isto estava ocorrendo em meados de 1976 e muita gente começou a olhar novamente para Liverpool. Era gente como Roger Eagle, Bill Harris (orientador de Brian Epstein no início de sua carreira) e Joe Flannery (gerente do Star Club de Hamburgo nos áureos tempos), todos empresários e interessados em reacender o fogo na cidade.

Merseybeat - E existiam bons motivos para se acreditar no ressurgimento de Liverpool. Lá existiam duas rádios com programas de rock: a Rádio City, onde Mike Evans, sobrevivente do Merseyboom, fazia um programa histórico, tocando velhos hits do Liverpool sound, e a Rádio Merseyside, onde Billy Buttler, muito popular em Liverpool, tentava promover e revelar os novos talentos da cidade, procurando ocupar o lugar do jornal beat Merseybeat na prestação de serviços (John Lennon escreveu alguns artigos sobre os Beatles, no início dos anos 60). Esses programas ainda devem existir, pois eram tradicionais em Liverpool.

Além das rádios, um fenômeno mais ou menos recente: a procura de velhos hits, em gravações originais. Liverpool tem algumas lojas de discos especializadas nisso e também algumas livrarias.

Mas se existiam bons motivos, também existiam problemas. Os instrumentos custavam caro, os clubes eram pequenos e não estavam dispostos a pagar as novas bandas, pois a música de fita saía muito mais barata do que ao vivo. Não havia lugares onde as bandas pudessem se apresentar, praticar e ganhar dinheiro. Isto não se esquecendo de que a maioria dos grupos estava mais interessada em fazer rock progressivo do que música para o pessoal dançar. Flannery, Harris e Eagles estavam interessados em resolver esses problemas e pôr fogo na cidade novamente.

E de repente tudo mudou. A Inglaterra pegou fogo de novo. A faísca veio de Londres e se alastrou por todos os cantos do Reino Unido. O punk. Uma rebelião aberta contra instrumentos caros, superídolos, a sofisticação, na verdade fatos que destruíram a essência do rock. Houve um retorno aos clubes pequenos, às roupas usadas e rasgadas. Em suma: uma verdadeira New Wave.









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