Uma das grandes atrações do Abril Pro Rock 2006 foi o Cachorro Grande. Os gaúchos foram responsáveis pelo grande show da noite de sexta-feira e, embora o público geral do festival tenha sido aquém das expectativas, contou com uma platéia animada que cantou todos os hits do novo CD, Pista Livre, além dos sucessos dos dois discos anteriores. Antes do espetáculo, o vocalista Beto Bruno concedeu esta simpática e sincera entrevista no agitado camarim da banda.
Por Gustavo Montenegro
Vocês surgiram em 1999 e já têm três discos nas costas. Como foi este caminho até aqui? Estão satisfeitos?
Completamente, completamente. Não imaginava nem que isso ia chegar aonde chegou, e a gente está satisfeito porque tudo que a gente acreditou, batalhou está acontecendo. Estamos conseguindo que as pessoas cada vez mais conheçam nossa música, porque a nossa música é a coisa mais importante que a gente tem. Então eu não poderia estar diferente. Estou muito feliz.
Como foi o episódio que rolou no primeiro show de vocês e que batizou a banda?
(Pensativo) Primeiro show...
Eu li numa entrevista sobre uma treta de um cara que limou 5 músicas do repertório de vocês na hora do show começar...
Cara, o primeiro show foi absurdo, mas se eu te disser que lembro realmente, eu vou estar mentindo. Eu tava muito doido.
Na entrevista?
No show! Teve outra ocasião também, nesses primeiros shows, que tudo sempre acabava em pancadaria e polícia, uma coisa que eu nem gosto de lembrar muito, meio animal.
(nesse momento Beto escuta "Quero que vá tudo pro inferno", do som que vem do palco, durante o show de Lafayette & os Tremendões)
Pau no cu do Lafayette!!!
O Cachorro Grande já sofreu a troca de um membro. Como a troca deste baixista influenciou no som de vocês? Alterou alguma coisa?
Cara, de alguma maneira vai alterar, alterou e até pra isso que rolou a troca, sabe? Se uma coisa não ta funcionando bem no grupo, a gente tem que trocar. Infelizmente. É muito difícil ter que tirar alguém da banda, sabe? Nunca queria precisar ter passado por aquilo, foi muito chato. Até hoje é uma coisa que a gente sente muito, mas foi preciso pra gente continuar nosso caminho.
Vocês têm uma estética e um repertório baseado nas bandas dos anos 60. Na hora de gravar, vocês lamentam ter de usar essa parafernália digital toda e preferiam estar usando mesa de quatro canais, fitas analógicas?
Foi como a gente fez com o nosso segundo disco. Mas a gente não estabeleceu nenhuma regra pra gravar. Cada vez que a gente entra no estúdio, a gente tem uma filosofia diferente. E eu gosto disso porque as bandas que eu admiro são assim. Os Beatles e os Mutantes, cada disco é um som diferente, é uma coisa diferente, pra coisa não ficar estagnada musicalmente. Eu curto isso. Gravar um disco num porão, depois gravar num grande estúdio, depois grava num meio termo e assim vai.
Quando vocês começaram, era só curtição ou achavam que esse tipo de som poderia emplacar no século XXI?
Era só curtição, cara. Era só curtição. Mas, por outro lado, a gente tava cansado da vida que a gente tinha, de trabalhar e ter que acordar todo dia cedo e ter que ficar atrás de um balcão, vendendo guitarra ou disco. A gente queria uma coisa a mais pra nossa vida também. Foi isso que rolou.
Você acha que bandas como o Cachorro Grande ou o Reino Fungi podem ajudar o público de hoje a reavaliar as bandas de antigamente?
Muita gente vem falar isso. Que legal que você comentou sobre o Reino Fungi, eles são grandes amigos nossos e tem um som muito legal. As pessoas vêm comentar com a gente: "Pô, olha, eu ouvi vocês, eu vi vocês na tv e diretamente me interessei pelo disco dos Beatles do meu pai e isso mudou minha vida. A partir de vocês eu passei a escutar os Beatles...ou os Rolling Stones."
De onde vem este amor de vocês pelos Beatles?
É uma coisa de infância herdada do meu pai. Eu herdei uma coleção de discos fantásticos que ele ia me dando em doses, cada vez mais discos e tal.
Então ter o Pista Livre masterizado em Abbey Road foi coisa de doido, não é?
Ah, cara, até hoje eu acordo e fico feliz porque existiu isso, rolou isso na minha vida. Não é exagero não. Eu acordo e fico emocionado que isso ta lá escrito no verso.
Outro dia vocês estavam na TV comprando vinil, numa reportagem na Globo, acho. Como é que você encara esse legado dos Beatles hoje? Esses lançamentos como Naked, "1", Capitol Albums, como você vê isso?
Pro beatlemaníaco é sensacional que estejam relançando essas coisas. Que estejam lançando no mercado essas sobras de estúdio do Anthology, por exemplo, que eu acho a coisa mais sensacional que foi lançada dos Beatles pós-Beatles. Ali tu consegue, pra quem é músico então, não só fã dos Beatles, ver o processo criativo deles. Realmente é sensacional tu poder acompanhar aqueles outtakes. Você cresceu a vida inteira ouvindo a versão original e de repente você se depara com um outtake mais desleixado. É fantástico. Me arrepiei quando escutei aquelas versões pela primeira vez. Mesma sensação de quando eu ouvi o Rubber Soul pela primeira vez.
(Pausa para um gelinho no Whisky) Desculpa aí....
Que nada, tranqüilo....olha aí a dose...
Como fãs de Beatles, você e a banda certamente têm muito acesso a bootlegs. Olhando pra sua carreira, como é que você encara esse negócio da pirataria, não essa pirataria de balcão na rua, mas o fato de uma apresentação do Cachorro Grande na TV acabar parando na Internet?
Ah, cara, tudo que a gente faz em relação ao nosso trabalho é com olhar de fã. Eu não assisto mais aos programas que a gente faz nem guardo mais recorte de jornal. Já fiquei saturado. Mas a gente tenta respeitar as pessoas que colecionam esse tipo de coisa, que é fã mesmo. Oferecer este tipo de coisa pra eles é um presente. Porque as bandas que eu gosto, quando lançam alguma coisa nova, eu sempre piro. É isso que a gente quer passar pra eles. Tem mais é que piratear. Tem mais é que copiar showzinho aí da Internet mesmo.
Já que estamos falando de bootlegs, de quem foi a idéia de colocar "Catswalk" no meio de "Dia Perfeito"? (NOTA: Catswalk é uma música de autoria de Lennon e McCartney, inédita oficialmente, que só circula em bootlegs numa rara gravação ao vivo em um ensaio no Cavern Club.)
Foi uma coisa incidental. O Gross fez isso brincando, só pra preencher aquele espaço, e a gente falou: "Deixa aí, cara, deixa aí!" "Não, mas aí vão falar que, a galera que conhece, vai dizer: 'Porra, eles copiaram os caras!'". E acabou que a gente viu isso com uma homenagem, assim diferente.
Além de Beatles e Britpop, quais são as influências brasileiras do Cachorro Grande?
Mutantes e Mutantes e também os Mutantes!
Nada de Jovem Guarda, Roberto?
Não! Pau no cu do Lafayette.
Qual foi a melhor e a pior crítica que vocês receberam?
A pior? (risos) Porra, sinceramente, não sei te dizer, cara. Mas eu não me importo muito com o que falam. Na boa, é por isso que eu não sei te responder isso. Uma vez falaram que a gente era uma das bandas que iriam salvar o Rock. Aí na semana passada já era outra, e no outro mês era outra e a gente não ta aqui pra salvar Rock. Então nunca falaram uma coisa que fosse tão legal assim, porque a gente nunca se importou mesmo com as críticas positivas. As pessoas que escrevem sobre música e trabalham com música, mas que não são músicos, têm que parar de pensar que a gente faz disco pra eles.
É verdade que vocês já foram classificados como os "Novos Cascavelletes"?
É, e pra mim foi horrível essa comparação porque é uma coisa que a gente nunca se espelhou e eu tenho pavor dos discos deles. Eu acho absolutamente lamentável esse troço que eles faziam. Vergonhoso, sabe? Eu acho horrível quando fazem essa comparação. Isso acontecia quando a gente morava em Porto Alegre, antes de lançar o primeiro disco. Depois, essas mesmas pessoas que falaram isso ouviram o disco e viram que não tinha nada a ver.
Isso incomodou...
Incomodou porque eu acho uma merda aquilo, saca? Não posso mentir pra ti.
Nos planos do Cachorro Grande, vocês pretendem fazer um trabalho com a cara da psicodelia, passar para um Sgt. Pepper, ou vão ficar com essa cara pré-1967 pra sempre?
Não posso prever nada, cara. A gente não sabe o que vai acontecer e eu acho legal isso. Não prever nada e deixar foder.
O que vier...
É. Deixa foder...
Na primeira passagem de vocês pelo Abril Pro Rock, vocês tiveram experiências muito boas em Olinda. O que rolou por aqui?
Nós ficamos cinco dias em Olinda. Na época a gente não fazia muito show e aí a gente podia ir pras cidades e ficar. Então talvez tu não entenda o que é uma pessoa chegar e ver Olinda pela primeira vez. Realmente isso choca, muda o mundo, muda a vida do cara. Totalmente diferente de tudo que a gente já tinha visto. Estar aqui de novo é foda. Ainda mais num festival como esse.
Quais os planos do Cachorro Grande?
Continuar com essa tour. Continuar tocando nessa turnê, visitar todas as cidades que a gente já visitou, visitar outras, continuar tocando e não fazer planos.
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