Jim Keltner

Jim Keltner é um baterista que merece muito respeito. Como se já não bastasse sua incrível habilidade com as baquetas, Jim ainda teve o prazer de desfrutar da amizade de nada menos que John Lennon, George Harrison e Ringo Starr, participando de diversos projetos dos ex-beatles.


Nesta recente entrevista para a Modern Drummer, Keltner relembrou o passado, contou histórias e falou com muito carinho sobre o amigo George Harrison.

Jim Keltner não precisa de apresentação para os leitores da Modern Drummer. Ele tocou com praticamente todos no mundo da música, e não há segredo algum para isso: TODOS querem a batida de Jim em seus discos. Se você já tivesse conhecido o cara, saberia logo que ele não é apenas um grande baterista, mas também um homem com uma adorável e generosa personalidade.

Conversamos com Jim sobre o novo álbum de George Harrison, Brainwashed, assim como sobre o tributo realizado no Royal Albert Hall, em Londres, em 29 de novembro de 2002. Um amável encontro que marcou o primeiro aniversário do falecimento do Beatle. Jim foi amigo e tocou nos discos de George Harrison e John Lennon durante muitos anos, por isso iniciamos nosso papo com este assunto.

por Billy Amendola
Tradução de Gustavo Montenegro e Camila Cavalcanti

Uma das perguntas que fiz ao Ringo para a Quick Beats foi: Quem era melhor baterista, George ou John? E Ringo disse "George". Você concorda?
(risadas) Boa pergunta.....Bem, eu diria que sim, pois, primeiramente, John nunca tocou bateria na minha frente. Mas George sim, e ele tocava muito bem. Ele tinha uma bela noção de tempo. Quando George tocava bateria ele tinha toda a linguagem básica. Ele sabia o que fazer com os pés e as mãos. Ele me surpreendeu algumas vezes. Tenho uma bela foto dele sentado na minha bateria lá em casa.

Eu assisti a um vídeo de George - no qual você aparece - onde ele falava sobre a gravação de seu novo disco. Fiquei com os olhos cheio de lágrimas enquanto assistia.
Sei exatamente o que você quer dizer.

É tão bom ouvir as músicas novas dele. A forma como ele canta e toca é muito forte.
É assim. Ele deu o melhor de si. Ele sabia que estava morrendo, sabia que estava indo embora. Eu tive momentos muito ruins por acreditar nisso. Mas acho que ele estava tão preparado que tudo acabou da forma como ele queria.

Sei que você teve uma grande amizade com George, além de apenas tocar com ele.
Oh, Deus. Ele era uma inspiração para tantas coisas na minha vida e na vida de minha família. Era um cara extraordinário. Ele não era como a maioria dos amigos. Sei que parece banal, como, "Bem, ele era um Beatle, então é claro que era um cara legal". Mas é muito mais do que isso. Ele tinha uma qualidade tremenda. Era brilhante e engraçado, e amava compartilhar as coisas. Era um cara verdadeiro e gostava realmente das pessoas. Ele tinha um tremendo detector de papo furado, podia enxergar isso dentro de você de uma longa distância. Eu o via fazer isso o tempo todo. Minha família e eu tivemos muita sorte por termos entrado em sua vida tão cedo.



Acho que neste nível de relacionamento você acaba com medo por não saber o que querem de você.
Exatamente. É do mesmo jeito com Charlie (Watts) e os Stones, ou qualquer outro amigo meu com uma categoria tão alta. Nós vamos tão longe que estou certo que é por isso que nossa amizade é sólida. Nós valorizamos o relacionamento.

O filho de George, Dhani, fez um belo trabalho co-produzindo Brainwashed com Jeff Lynne. Ele parece muito com o pai.
E não é apenas na aparência. Seu trejeitos e a forma como ele move a boca, são exatamente como George. Ou quando ele quer dizer algo e move a cabeça para trás assim como George. Ele te dará uma olhada, uma vista, assim como o pai. Acaba me confundindo.

Vamos falar sobre Brainwashed.
"Any Road" é uma das minhas preferidas. Puro George. Ele costumava citar essa frase todo o tempo, "Se você não sabe para onde está indo, qualquer estrada te levará até lá". Amo muito esta canção. Outra que me faz chorar sempre que ouço, e provavelmente será sempre assim, é "Stuck Inside a Cloud". Esta é daquelas antigas que ele costumava tocar pra mim todo o tempo. Tem uma espécie de qualidade mágica, sombria e muito inglesa nela. Certamente estaríamos tarde da noite em algum estúdio antes de deixar tudo de lado, quando eu diria, "Ei, George, toque "Cloud" para mim", e ele tocaria e cantaria junto. Durante muitos anos não houve bateria nela, apenas aqueles pequenos samples de teclado, mas por alguma razão ela sempre me leva direto a Friar Park sempre que a ouço.

Suas partes de bateria já estavam prontas antes de ele falecer?
Sim. Não tive que fazer muita coisa depois... Ele me chamou pra tocar bateria antes de sofrer o atentado, e acredito que foi após sua operação na garganta. Eu nunca levei meu equipamento para a casa dele porque há vários anos pedi a DW que mandasse um belo jogo de bateria para lá, e então a Paiste também enviou um kit de pratos e tudo mais. Deste jeito ele tinha tudo que eu - ou qualquer outra pessoa - precisava. Então quando eu ia ao seu estúdio em Friar Park, eu dificilmente precisava levar algo comigo, talvez apenas um prato ou um cymbal... poucas coisas.

George tinha uma tremenda sala-de-estar, que tinha três andares, com uma varanda com vista para a própria sala. Meu quarto era no terceiro andar - o "loft", era como eles o chamavam. Era um belo lugar, com uma cozinha, um ambiente pra ler, trabalhar, tudo mais. Eu costumava descer pela manhã e ficar na parte da varanda que se extendia acima do térreo da sala. Algumas vezes durantes os anos eu estalei os dedos para ouvir o som e disse a George: "Seria ótimo ter a bateria aqui", e ele apenas ria, porque ele tinha um estúdio construído em outra parte da casa, por que ele iria colocar uma bateria ali? Mas quando cheguei para essa gravacão, eu entrei e a bateria estava montada justamente ali. Eu fiquei tão surpreso. Ele fez aquilo pra mim. Eu acho que ele perguntou ao engenheiro John Etchells se o som seria controlável. Então ele saiu, testou umas coisas e disse: "Vai ser ótimo". Eu lembro que eles tinham um monte de 87's (microfones) espalhados pela sala para captar o som dela. E eu acabei usando o kit de bateria de George. Eu nem sequer cheguei a usar meus tambores.

E os pratos?
Eu devo ter usado um dos meus pratos. Os hi-hats eram um par de Arbiters, com "602" escrito neles. Ou seja, eles eram Paistes antes da companhia começar a colocar seu nome nos pratos. Eles haviam sido dados a Ringo, que os deu a George. Ringo sempre tocava um bonito Paiste 602 crash-ride, e seus hi-hats eram Zildjans 14 polegadas que eram tão velhos que mal podia se ver o logotipo. Ele preferia esses, então ele deixou os Arbiter Paiste hats com George. George os tinha no estúdio há muitos anos. Eu usei aqueles hi-hats em tudo que eu já toquei com George - Cloud Nine... tudo.

Os álbuns dos Travelling Wilburys também?
Não, todas as gravações dos Wilburys foram feitas na Califórnia, sempre com meu equipamento. De qualquer forma, no último dia das sessões de Brainwashed, enquanto eu guardava o equipamento e encaixotava os pratos como sempre fiz todos estes anos, eu disse "George, vou levar estes hi-hats para mim." Ele disse, "Por que você está levando meus hats?" E eu disse, "Há anos que venho aqui e mais ninguém os usa, apenas eu. Ano após ano, eu venho aqui para gravar, pego a caixa em que eles estão e os encontro do mesmo jeito em que os guardei da última vez. (risadas) Outros caras que gravaram aqui , Ray Cooper ou Jim Capaldi, apenas chegam e tocam e nunca usam eles. Usam apenas os novos que eu enviei ou algum outro. Portanto é uma vergonha deixá-los aqui parados. Eles ainda serão seus, claro, por isso os trarei de volta." Aí ele falou, "Ok." Mas eu nunca tive a chance de devolvê-los. Provavelmente darei ao Dhani.

Como foi o esquema de gravação?
Nós sentávamos para conversar do lado de fora do estúdio até entrarmos para gravar. Então George ia para a sala de controle com John, o engenheiro de gravação, e eles falavam comigo pelos fones enquanto eu ficava lá no salão. Eles não podiam me ver e eu não os via. Assim que iniciávamos a gravação, era uma música após a outra.

Ele te pedia para tocar de algum jeito específico?
Sim, George tinha um monte de idéias específicas. Assim ele me dizia exatamente o que queria. Basicamente me dizia o que não queria. Ele não queria muitos enfeites e também não queria muitas gracinhas. Era difícil fazer ás vezes, porque ele sempre me falava sobre Ry Cooder e de como ele amava os discos dele, nos quais eu toquei. Ele amava o lado espirituoso do meu jeito de tocar. Mas quando eu aparecia para tocar em suas músicas, era o tipo de coisa que não funcionava com ele. Assim ele sempre me dava um tipo de orientação para tocar de uma maneira mais convencional e básica. Claro que eu nunca tive problema algum com isso, pois o trabalho é assim. Eu sempre quis tocar algo adequado à canção. Eu não preciso tocar algo que agrade a mim.

Alguma vez o ele disse "Toque esta como se fosse o Ringo"?
Não, nunca fez isso. Mas eu sempre fazia. Todas as vezes que toquei com George eu pensava em Ringo. George e John teriam tido Ringo muito mais em seus trabalhos se não fosse pelo fato de eles serem encarados como projetos solo. Não era apenas como "estar com os amigos", você sabe o que eu quero dizer.

Posso ouvir a influência de Ringo em "Rising Sun". Se há alguém que pode fazer a levada de Ringo, esse alguém é você.
Bem, obrigado, mas eu não sei se realmente há alguém que possa imitar o Ringo. Assim como ninguém consegue imitar o Charlie (Watts). Simplesmente não dá. É impossível.

Você ouviu as canções em primeira mão? George te deu fitas demo?
Ele não me enviou demo alguma, mas ele tinhas várias idéas gravadas em fita. Ele me ligava e perguntava "O que você vai fazer em fevereiro? Pode vir pra cá?" Eu dizia "O que você tem?" E ele, "Tenho algumas novas e algumas que você já ouviu ao longo dos anos". Era sempre uma grande emoção quando eu as ouvia. Algumas vezes ele dizia "Hum...não estou certo sobre esta música", mas eu falava "Deus, eu adoro esta, George. Deixe-me colocar uma bateria aí", e ele, "Ok". Aí nós colocávamos a bateria, mas eu nunca sabia se ele ia usá-la ou não.

Soube que existe uma linda balada que foi deixada de fora do álbum, uma composta por George e Jim Capaldi.
Pois é. Além de baterista, Capaldi também é compositor. Jim escreveu um monte de canções com Stevie Winwood nos tempos do Traffic. Somos amigos há muito tempo, então fiquei feliz que por eles trabalharem juntos.

Obviamente deve haver mais material guardado.
Eu espero que sim, mas não tenho certeza... Eu realmente gostei da canção que eles fizeram mas parece que George não sentiu que ela estava bem acabada ainda.

Algumas das outras faixas em que você toca são "Pieces Fish", "Never Get Over You" - com uma bela levada - e "Vatican Blues".
Espero que esta música não cause preocupação às pessoas. George era muito franco sobre as coisas, mas não forçava a barra.

Na canção "Brainwashed", dá para entender que ele estava farto do mundo da música. Entretanto, mesmo estando zangado e enojado, ele ainda soa pacífico.
Ele estava aborrecido com um monte de coisas durante o período em que escreveu esta canção. Ele passou por algumas coisas ruins, cara. Mas você está certo, ele tinha um jeito tão tranqüilo de lidar com as coisas que fica difícil lembrar disso, mesmo o vendo muito zangado com algo ou alguém.

Como foi o concerto tributo?
Foi uma noite muito emocionante. As pessoas me dizem que foi muito poderosa e profunda. Eric (Clapton) montou a banda usando pessoas que eram próximas de George e que tiveram uma história com ele ao longo dos anos.

(Além de Keltner e Clapton, outros participantes são Dhani Harrison, Anoushka Shankar (filha de Ravi), Tom Scott, Jim Horn, Billy Preston, Jeff Lynne, Joe Brown, Chris Stainton, Albert Lee, Marc Mann, Jools Holland, Klaus Voorman, Gary Brooker, Jim Capaldi, Tom Petty (com Steve Ferrone), Sir Paul McCartney, o baixista Dave Bronze, o percurssionista Ray Cooper e os bateristas Henry Spinetti e Ringo Starr)

Como foi tocar novamente com Ringo?
Oh, cara! Tocar com Ringo é algo que todos deveriam ter a chance de fazer um dia. Ele é muito honesto. Ele apenas entra no ritmo, mas quando chega a hora de mostrar serviço, ele realmente detona. Eu olhava para Henry e o via maravilhado com o que Ringo fazia, a forma com que ele puxa a banda de volta. Não há ninguém como o Ringo.



Para ouvir a bateria de Jim Keltner nos trabalhos dos ex-beatles, procure os discos abaixo

George Harrison:
Concert For Bangladesh
Living In The Material World
Dark Horse
Extra Texture
Somewhere In England
Gone Troppo
Cloud Nine
Brainwashed

John Lennon:
Imagine
Sometime In New York City
Mind Games
Wall and Bridges
Rock and Roll
Live In New York City
Menlove Ave.

Ringo Starr:
Ringo
Goodnight Vienna
Ringo's Rotogravure
Stop and Smell The Roses
Anthology.....So Far

Jim participou de grandes álbuns dos mais variados artistas, como Travelling Wilburys, The Rolling Stones, Ry Cooder, Carly Simon, Rod Stewart, Leon Russel, Roy Orbison, Tom Petty and The Heartbreakers, Yoko Ono, Harry Nilson, Joni Mitchell, BB King, Eric Clapton e Bob Dylan.

Em 2000 lançou um álbum em conjunto com Charlie Watts, baterista dos Rolling Stones, entitulado Charlie Watts/Jim Keltner Project.









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