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Entrevista
João Paulo Petersen
O empresário João Paulo Petersen é um exemplo de esforço em todos os sentidos. Além de colaborar com publicações de vários países, toca pra frente o primeiro site-shop especializado em Beatles na América Latina. Nesta entrevista, ele fala-nos sobre seu trabalho com o Yellow Submarine, sua paixão pelos Beatles e ainda denuncia o descaso da administração municipal com relação aos deficientes físicos.
Como surgiu seu interesse pelos Beatles? Além deles, você também é fã de outros artistas?
Ouvi, pela primeira vez, os Beatles, em Brasília, onde morava, em 1984, quando tinha nove anos. Era um compacto simples do pai do meu amigo Rogério Tadeu do Prado Sobral. De um lado, "Help!", do outro, "I'm Down". Foi amor à primeira vista. Nessa última música, adorei o vocal do grupo, o ritmo diferente. Ainda não havia ouvido Beatles. Era um tempo em que as rádios da Capital só tocavam rock nacional. A exceção era o programa Beatles Revolution, do Joaquim Jardim, na Rádio Nacional FM, de Brasília. Comecei a procurar as gravações do grupo, a ler o que me aparecia nas mãos. Comprei os primeiros discos no suporte fita cassete. Depois vieram os CDs, adquiridos, primeiro em Brasília, na loja All The Best, uma franquia daquela que existia em Ipanema, dirigida por Lula Tiribás. Com a minha volta ao Rio em 1993, conheci o Lula e passei a ser um grande consumidor da All The Best e a freqüentar a loja. Comecei a Importar muitos CDs, VHS e livros sobre os Beatles. Dialogava muito com o Lula e ele me aproximou do Aldo Gimenez, radialista e colecionador, que tinha o programa semanal Beatlemania, na extinta Rádio Alvorada. Ouvia, também, o programa Beatles Forever, do Mário Márcio, na também falecida Manchete FM. Nessa época, fiz contato com o pesquisador Marco Antônio Malagolli, de São Paulo, que me pediu para revisar textos da sua futura revista Revolution, que iria ter sete edições. Já, então, através de muita pesquisa e estudo, eu conhecia quase tudo dos Beatles e das carreiras-solos de seus integrantes, e além de possuir uma grande quantidade de CDs e de vídeos sobre o grupo, reunia uma vasta biblioteca e um precioso acervo de revistas, jornais, recortes e documentos. A pedido do Lula, cheguei a escrever um texto sobre o John Lennon para o All The Best News, jornal da loja, que, infelizmente, não passou do primeiro número.
Eu me interessava, e me interesso, não apenas pelos Beatles, mas por todos os estilos, grupos e artistas que influenciaram na formação e na evolução artística do grupo. Sou estudioso de todo o universo estético-musical, histórico e sócio-antropológico dos Beatles, seu tempo, seus personagens, seus fatos. Gosto, além dos Beatles, de todos os artistas e criadores contemporâneos dos Beatles, ou que influíram ou tangenciaram a música dos Beatles: Elvis, Little Richard, Buddy Holly, Chuck Berry, Carl Perkins, The Beach Boys, Rolling Stones, Gene Vincent, Credence, Eric Clapton, entre outros. Sobre esses, também, tenho tudo. Dos artistas nacionais, gosto da fase inicial do Roberto e do Erasmo Carlos, do Lulu Santos, Lobão, Os Mutantes, João Penca e seus Miquinhos Amestrados. Gosto também de blues, música country, bossa nova, samba de raiz, música erudita. Gosto de música boa, rica.
Você criou o primeiro site-shop especializado em Beatles na América Latina. O que o inspirou a criar o Yellow Submarine?
O meu objetivo inicial era escrever, começar a produzir textos informativos e críticos sobre os Beatles, em jornais e revistas especializadas. Em 1995, ainda não possuía computador e criava a CBI - Central Beatles de Informações, que era uma tentativa de difundir a obra do grupo e conhecimento sobre o universo dos Beatles. Não era um fan clube, mas um escritório de informações. Eu recebia centenas de perguntas e as respondia, via postal, para todo o Brasil sobre a obra dos Beatles. Cheguei a construir um grande arquivo de nomes e endereços de pessoas de vários Estados, interessadas em conhecer os Beatles ou amantes do grupo. O projeto da CBI incluía a venda de CDs, VHS, livros, memorabilia etc. Com o fim da All The Best, do Lula, passei a importar material através da Penny Lane, do Pasquale Prisco, um italiano que tinha duas lojas: uma no Catete e outra em Ipanema. O Pasquale tinha um site na Internet chamado BeatlesClub, um fan club, lincado com a Penny Lane. De repente, o Pasquale resolveu se mudar para a Suíça com a família e, sabedor dos meus planos na CBI, perguntou se eu não queria comprar o site. Nunca pensei ou quis dirigir um fan club. Não era o caso. Mas com a estrutura do site que ele mesmo criou, com a ajuda de um web designer, eu poderia transformá-lo em uma loja, com uma revista com notícias e informações sobre os Beatles. E assim foi feito. Aproveitando a estrutura principal do site do Pasquale, depois de trabalhar duro durante um mês e meio, o site-shop ficou pronto.
No dia 4 outubro de 2000, véspera do 38º aniversário de lançamento do primeiro compacto dos Beatles, Love Me Do e P.S. I Love You, eu coloquei no ar o Yellow Submarine. Foi uma vitória, a realização de um sonho que eu tinha há alguns anos. O que era apenas um prazer, um hobby, um lazer, transformou-se num ofício de todos os dias, numa profissão. De fã me tornei num pesquisador profissional, num microempresário. Inspiraram-me a criar o Yellow Submarine, além da paixão pelos Beatles e a experiência da CBI, o meu trabalho de colaborador permanente no site norte-americano Abbeyrd's Beatles Page, o maior do gênero do mundo. O meu produtivo diálogo com o especialista Steve Marinucci, gerente do Abbeyrd, me transformou no primeiro brasileiro a escrever no site. A minha estréia foi em outubro de 1998, com uma matéria sobre a apresentação de Pete Best no Rio, a 13 daquele mês, no Rock In Rio Coffe, na Barra da Tijuca. Foi um show de Pete Best com o seu grupo, que poucos tiveram o privilégio de assistir. Eu fui o único pesquisador a conversar com ele, que não recebeu a Imprensa, não deu entrevistas. Vale destacar os apoios que recebi de alguns profissionais na fase de implantação e, depois, de afirmação do Yellow Submarine: dos jornalistas Tárik de Souza, Beta Corrêa e Marina Lemle, do Jornal do Brasil; de Ângela de Rego Monteiro e Ancelmo Góis, de O Globo.
Você ainda colabora com informativos internacionais, como a TBFC Magazine e o Abbeyrd's Beatles Page?
Sim. Eu continuo sendo o brasileiro que mais colabora no Abbeyrd. Sempre que você acessa o site, encontra uma matéria de minha autoria. A minha colaboração é praticamente semanal. Além das notas e notícias, eu tenho uma ligação direta com o Steve, suprindo-o com material sobre os Beatles que são publicados no Brasil e em diversos países. Na TBFC Magazine de Tóquio, Japão, eu iniciei a minha colaboração em dezembro de 1997. Também nessa revista do Fan Club de Tóquio, eu continuo publicando e, segundo o próprio editor Kenji Maeda, eu sou o brasileiro que mais escreve no periódico. Recentemente, ampliei a minha participação em publicações estrangeiras e internacionais. Em 2003, inaugurei uma consultoria à Macca Planet, um belo fanzine de Paul McCartney, editado em Milão, Itália, por Cristiana Bonfanti, pesquisadora que conheci através de um amigo italiano de Nápolis, o sociólogo Fabio Marino. Este trabalho de pesquisador, repórter, de redator especializado, em contato com o mundo, dialogando com estudiosos e editores de vários países, tem me dado muitas alegrias. Por exemplo: fui o único pesquisador a estar pessoalmente, e a conversar com Pete Best, quando o ex-Beatle esteve no Rio em outubro de 1998. Divulguei, internacionalmente e, com exclusivamente, o show que ele e o seu grupo fizeram numa casa na Barra da Tijuca. Outro "furo" foi a divulgação internacional de Rock Peace (1969), letra perdida de John Lennon, descoberta pelo pesquisador Marcelo Fróes em 2000, nos arquivos do fotógrafo Luiz Garrido. Em conseqüência, participei, como interlocutor brasileiro, de um debate internacional sobre o assunto, que envolveu diversos estudiosos, inclusive Allan Kozinn, colunista do New York Times. Noticiei, também, em primeira mão, a participação de George Harrison, de Ian Paice (baterista do The Purple) e de Paul Weller, na gravação de Anna Julia, (Marcelo Camelo, líder do Los Hermanos), lançada por Jim Capaldi em 2001 no CD Living On The Outside. Noticiei, ainda, para o mundo, em 1998, as exposições de Yoko Ono em Salvador, Bahia, e em Brasília, DF. Cobri os shows de Sean Lennon no Free Jazz, no Rio, e em São Paulo, em 2000. Resumindo, eu não sou apenas um colecionador, um fã ardoroso dos Beatles Na verdade, além de microempresário, proprietário de uma loja especializada em Beatles, gerenciada diretamente por mim, sou um pesquisador, um estudioso do universo dos Beatles, um trabalhador de todos os dias, que ouve, lê, aprende, reflete, que escreve, divulga, produz, sempre pronto para o diálogo, o debate, publicando regularmente no País e no exterior.
E aqui no Brasil, além do Yellow Submarine, onde podemos ler os seus trabalhos?
O Jornal do Rock, dirigido pelo experiente produtor cultural Marcos Petrillo é, sem dúvida, a grande novidade editorial da imprensa especializada em rock do País. O jornal é rico, plural, aberto, bonito, muito bem feito, com um time de colaboradores de primeira. Petrillo, um amigo, tem um belo curriculum como produtor de shows e eventos de rock, e, também, como editor, com mais de vinte anos de sucessos, entre eles o International Magazine, que ele criou em 1990. A convite do Petrillo, começo a colaborar com o Jornal do Rock no número 6, que estará nas bancas de todo o País, no início de março. Escrevo sobre o universo dos Beatles. São fatos e temas que ultrapassam a vida do grupo de Liverpool e das carreiras-solos dos seus integrantes.
O Yellow Submarine também tem uma loja "de verdade" ou só funciona pela Internet? Pretende investir nisso?
O Yellow Submarine é uma loja virtual. Exclusivamente. Hoje, a maior loja especializada em Beatles do mundo na Internet. Tão cedo não pretendo ter uma loja de rua. O www.yellowsubmarine.com.br já me dá muito trabalho, me mantém muito ocupado e estou satisfeito com os seus retornos.
Apesar de bastante esforçado, você tem um grande problema de limitação física, certo? Pode-nos falar um pouco sobre isso?
Não caminho. Nunca caminhei. Tive um problema quatro horas depois que nasci. Fiquei com uma seqüela eminentemente motora. Não sofri nenhum déficit mental, não fiquei com nenhum defeito físico ou insuficiência orgânica, com exceção da locomotora. Submeti-me a mais de duas dezenas de cirurgias. Inicialmente, para tentar a marcha; depois, com o prognóstico negativo de eu vir a andar, fiz operações para viver melhor, com mais segurança, saúde e conforto, numa cadeira de rodas. Isto não me impediu de estudar, ter uma vida social e cultural como todo mundo. Sempre tive meus amigos, saio, vou a shows, ao cinema, ao teatro etc.
É claro que, numa cadeira de rodas, são muitas as dificuldades de locomoção, pois neste país não se respeitam os portadores de necessidades especiais, as leis são inócuas, não são cumpridas, pisam na Constituição, nas legislações federal, estaduais e municipais. Aqui no Rio, por exemplo, o prefeito César Maia, criminosamente, concede alvarás de funcionamento a cinemas onde, ou você não tem acesso, ou, se tem acesso, não pode assistir o filme, porque você fica debaixo da tela. Esta é a realidade. O que se vê nas televisões e nos jornais em favor dos portadores de necessidades especiais são publicidades mentirosas, mensagens calhordas. As barreiras arquitetônicas são muitas e permanentes. Então, para eu ir a um evento, a uma reunião de estudiosos, por exemplo, não é tão tranqüilo, se o local não tiver acesso à cadeira de rodas, não tiver rampas e elevadores. Mas essas limitações não impedem o meu trabalho. Com fé em Deus, lutando pelos meus ideais, acreditando no meu trabalho, com a ajuda da minha família e dos meus amigos, vou ultrapassando esses óbices, rompendo essas barreiras.
Como é o seu dia-a-dia, como micro-empresário e fã dos Beatles?
Meu tempo é dividido entre a leitura, o estudo, os contatos com pesquisadores e editores, a produção de textos e a gerência do Yellow Submarine. Além do trabalho em várias frentes, faço fisioterapia diariamente e musculação com peso para manter o corpo saudável e forte. Todos os dias, depois de abrir a minha caixa postal, eu passo os olhos nos jornais e revistas nacionais e estrangeiras, e visito os principais sites do mundo que tratam dos Beatles. Adiciono informações ao meu banco de dados informatizado que é imenso, e já tem quase dez anos. Respondo aos e-mails dos amigos, de pesquisadores e editores, respondo às consultas dos clientes do Yellow. Passo e-mails para o País e o exterior, e mando o mensageiro aos Correios para remeter mercadorias compradas pelos clientes do Yellow. Quase sempre escrevo notas, matérias e textos. O meu cotidiano é cheio de tarefas e muito produtivo. Semanalmente, faço contatos com colegas pesquisadores brasileiros, como, por exemplo, o meu amigo Ricardo Pugialli, um dos autores do livro Os Anos da Beatlemania, o primeiro e mais importante trabalho sobre os Beatles editado no Brasil em 1992, e, também, da obra No embalo da Jovem Guarda, lançado em 2000; Zé Lennon, músico e colecionador, gaúcho de Porto Alegre; Leonardo Conde, pesquisador carioca; Cláudio Teran, pesquisador de Fortaleza, Ceará, colaborador do Beatles Brasil, entre outros. Mas não leio só sobre Beatles e sobre rock. Gosto de História, Política e Filosofia.
O YS trabalha associado à empresa Ilha Verde, certo? Do que cuida essa empresa?
O Yellow Submarine não trabalha associado à Ilha Verde. O Yellow Submarine é uma loja que pertence à uma empresa denominada Ilha Verde, da qual eu sou um dos sócios-proprietários. Quer dizer, eu sou um dos donos da Ilha Verde e o gerente da loja. O Yellow Submarine talvez seja uma das poucas lojas virtuais do mundo onde o internauta encontra o endereço e telefone da empresa com a qual ele está negociando. A Ilha Verde - Consultoria Comércio e Serviços Culturais é uma empresa cultural, com sede no Rio de Janeiro que presta consultoria em diversos campos e sobre temas da Cultura, comercializa produtos, como os que estão expostos no Yellow Submarine, e presta serviços também na área da Cultura. Se você clicar no link da Ilha Verde que está na página que contém o menu principal do Yellow, você vai conhecer melhor a empresa, seus objetivos, os perfis dos seus dirigentes, os seus serviços.
Além de vender, você coleciona objetos relacionados aos Beatles? Qual o tamanho da sua coleção atualmente?
O Yellow Submarine tem um estoque razoável de CDs e DVDs. Mas eu, particularmente, além da minha grande discoteca (cerca de 500 CDs do universo dos Beatles, que incluem todas as discografias oficiais e bootlegs do grupo e carreiras-solos, todos originais), as minhas fitas VHS e DVDs (aproximadamente 200 unidades) e da minha biblioteca com mais de duzentos volumes (a maioria importados e em língua inglesa), tenho uma vasta coleção de revistas, fanzines, objetos, fotos, posters e obras de arte, uma coleção interminável, com centenas de peças, que aumenta a cada dia. Da clássica revista inglesa Beatles Book, por exemplo, já extinta, tenho quase toda a coleção de 40 anos, faltando pouquíssimos números, esgotados e raríssimos, os quais estou adquirindo no exterior. Tenho também a coleção completa da novel BBFC - British Beatles Fan Club, londrina, editada por Pete Nash e Craig Smith, e da coleção quase inteira da excelente revista norte-americana Beatlefan, editada por Bill King. Tenho muitas peças preciosas lançadas em edições limitadas pela Apple, ou sob sua chancela, numeradas e assinadas pelos Beatles, como relógios de pulso, objetos de decoração etc.
Não deve ser nada fácil trabalhar com produtos de uma única banda. Você considera que o trabalho com os Beatles seja lucrativo?
O Yellow Submarine é uma loja de venda de produtos e, ao mesmo tempo, um site de informações, ágil e contemporâneo, sobre os Beatles. Você viaja com facilidade pelo Yellow, é um site muito didático. Até o ano passado, o Yellow Submarine trabalhou exclusivamente com produtos dos Beatles, incluindo os parentes e amigos do grupo. Foi, então, que, depois de perceber uma demanda, resolvi abrir um link para compra de produtos de outros artistas e grupos de rock. O site continuou especializado em Beatles, com a maior vitrine de produtos beatles. Confesso que trabalhar somente com Beatles é, comercialmente, limitado e pouco lucrativo. Existe, por outro lado, a realização pessoal, o enriquecimento cultural, o retorno dos internautas e clientes, o lucro de conhecer pessoas, fazer novas amizades. E, ainda, o trabalho de descoberta e a criação cotidiana no desenvolvimento e aperfeiçoamento do site, como, por exemplo, as páginas Beatles com Outros, Parentes e Amigos e Parentes e Amigos com Outros, nos campos da discografia e da videografia/DVDs, resultantes de anos de estudos e pesquisas. A página Notícias e Informações também é um trabalho jornalístico estimulante, gratificante. A especialização em Beatles constitui um desafio constante, aumenta a responsabilidade da editoria, motiva-me para a pesquisa e atualização constantes, tudo em busca da informação correta, da notícia necessária e oportuna, enfim da perfeição na forma e no conteúdo. O Yellow Submarine recebe muitas visitas. As consultas são em número razoável. E as compras, poucas. Trabalhar com Beatles não é um trabalho financeiramente muito lucrativo. Os retornos são mais de ordem artístico-cultural, sentimental, existencial. Não chega a ser um prejuízo. Posso dizer que é um trabalho profissional satisfatório do ponto-de-vista econômico, e plenamente prazeroso e compensador no aspecto pessoal e intelectual.
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