Entrevista
Sean Lennon


O site francês yellow-sub.net publicou uma entrevista com Sean Lennon. O nosso colaborador angolano Paulo Seixas a traduziu e nós apresentamos exclusivamente esse revelador bate-papo com o "filho do homem".


Entra na sala trazendo uma caixa de vinis e um CD-portátil de plástico verde florescente. Ele é Sean Lennon, 22 anos, o famoso Beautiful Boy descrito pelo seu pai numa das suas últimas canções, na época de Double Fantasy. Com o tempo contado, temos uma hora para explorar os seus quase cinquenta discos, todos vinis. "Pior para os Viollent Femmes", afirma.

Exceptuando o cd-portátil, que aparelho de som usa Sean Lennon na sua casa de campo?
Amplificadores Maclntosh (sic) a válvulas, só esses soam a verdadeiros. O meu primeiro álbum vai surpreender-vos. É um Motown de 1967. Uma grande produção sinfónica de Stevie Wonder, o álbum chama-se Ever Rednow, nunca foi reeditado em CD. Stevie Wonder é o Brian Wilson da soul. É um mutante dos X-Men. É um tipo com super-poderes que nós não temos. Toca tudo, baixo, guitarra, teclado, harmónica, canta perfeitamente, é o meu baterista preferido.

Sim, mas ele não está fechado em estúdio há já 10 anos?
Quando alguém gravou tantos discos geniais, na minha opinião, é porque sabe coisas que nós não sabemos. Ele é um génio, nós não. E ao mesmo tempo, vemos todos esses génios bloqueados, Prince, Brian Wilson, Stevie Wonder... talvez seja melhor não se ser génio. Acabo de me encontrar com Brian Wilson. O seu novo álbum é espantoso. Se se escutar vinte vezes "Your Imagination", a primeira música, entra-nos para dentro dos cromossomas. Entrevistei-o e ele falou-me do seu sistema digital, gravou o novo disco em 72 pistas digitais. Lembrei-lhe que ele produziu "Pet Sounds" num quatro-pistas. Nunca adivinharias a sua resposta: "Sim, mas naquela época as vibrações eram tão boas que se podia fazer uma obra-prima em quatro pistas".

Oh boy!
Hoje as pessoas demoram dois ou três anos para lançar um álbum. Mas agora trouxe-vos o melhor álbum de Mahavishnu Orchestra, o primeiro, "The Inner Mounting Flame" e vamos escutar "You Know You Know". Estes tipos inventaram a fusão.

Vejo que trouxe dois do Jackson, "Off the Wal" e "Thriller". Você é muito amigo de Michael?
Muito. Estou sempre a vê-lo. É um rapaz gentil, gentil, gentil... faz-me pensar um pouco no Brian Wilson, na realidade. O Big Kid. Tudo o que estes dois personagens fora do comum desejam é rir e divertirem-se. Eles têm um pouco de medo do mundo real.



Você não tem?
Oh, todos nós temos medo. Mas é assim, atravessamos esta vida fingindo que não. E é assim que sobrevivemos. Não o Michael Jackson, nem Brian Wilson. Eles têm medo e demonstram-no honestamente.

Jackson acabou criativamente, não?
Penso honestamente que ainda mantém o potencial de pulverizar o mundo com um álbum mágico, magnífico. Como Prince. Só precisa de escrever um novo "Purple Rain". Que se concentre em três acordezinhos... Agora vou fazer-vos explodir o cérebro com este velho vinil dos Beach Boys, Friends (1968). Escuta esta canção, "Busy Doing Nothing"... São as instruções para se ir dar de carro à casa dele em Los Angeles. Brian Wilson! (canta em harmonia com o disco, depois explode de alegria). Esta música, escuto-a todas as manhãs, ao acordar. É uma loucura. Este é o primeiro álbum da minha mãe, o Plastic Ono Band. Escuta "Groenfield Morning I Pushed An Empty Baby Corriage All Over The city", é um poema de loucura total sobre esse bebé que ela esperava e que nasceu nado-morto. Ringo está na bateria, o meu pai na guitarra... E subitamente parece o Wu-Tong Clan, quase que se espera escutar o Method Man... É um disco sublime e todo o mundo o atitou para o lixo na época. É heavy. Bem mais heavy que Led Zeppelin, que escreviam canções masturbatórias como "Whole Lotta Love". A minha mãe apresentava-se em nome próprio e o meu pai tinha editado o seu disco, com "Mother", "Working Class Hero". Que discos!

Mas você é o filho de John e Yoko. Como convive com isso?
Se eu fosse realista, quando escuto os discos deles, diria que é impossível acompanhá-los. Mas não tento ser realista, um traço de família, e penso: fuck it! Aponto para as estrelas e logo se verá. Agora, vê-me estes dois discos: John Lennon Plastic Ono Band e Yoko Ono/Plastic Ono Band. As pessoas estão longe de se darem conta que estes discos estão entre os melhores de todos os tempos. Claro, podia ter citado Abbey Road ou SergeantPepper (risos). Não, prefiro aqueles dois, puro material pesado.

Pergunta grave, após o que lhe aconteceu, o seu pai tendo desaparecido quando você tinha 5 anos... Hoje em dia encontra algum conforto ao escutar os seus discos?
Bom, é uma ligação com ele, definitivamente. É o som da sua voz; e sobretudo, passa-me qualquer coisa de biológico. Após a morte do meu pai, ficámos no Dakota, claro, como deixar o apartamento onde nós tínhamos tantas recordações dele? E lembro-me que à noite tocávamos os seus discos e até os gatos ficavam estranhos ao reconhecer a sua voz. Encostavam-se aos interruptores e arranhavam-nos, procuravam o meu pai, se vês o que quero dizer, mas apenas a sua voz estava ali e eles reconheciam-na... Comigo, é parecido. Também não me sinto intimidado. Por vezes entro numa loja e wham!, "Instant Karma" está a tocar no som... É como se ele me desse um tapa no ombro: "Hey, Sean... estou aqui!".

O seu meio-irmão Julian publica um disco no mesmo dia que você. É bastante incrível, não?
Sim, mas não o é se se considerar que há apenas quatro datas possíveis de publicação durante todo o verão.

Vocês os dois falam-se?
Nem tanto assim... Nem tanto assim... E agora vamos escutar Marie Lou Williams, "Your Mama Pinned A Rose On Me". Ela teve uma vida dura como mais ninguém. A mãe dela pô-la em cena aos dois anos de idade... A capa mostra uma velha senhora alcoólica, vencida... Mas que música louca! Nunca foi reeditada em CD. Mile [Davis] reverenciava-a. Ela era verdadeiramente única. Sabes porque ela não é tão popular quanto Thelonious? Por ser uma mulher. Acho que sei precisamente o que eles fazem às mulheres nos mundos do jazz, do blues ou do rock. Passemos a algo verdadeiramente moderno, vejamos o primeiro de Wu Tang Clan... Sim. O que escuto, à excepção dos meus favoritos que trouxe hoje para aqui, é hip-hop. É novo, é claro, é moderno... Adoro a guitarra, tocá-la, mas já não é o instrumento do momento. Vivemos na hora do sampler e dos DJs. É excitante. No início dos anos 80, quando Grandmaster Flash apareceu, todo o mundo flipou/flashou. Que coisa é esta? Sublime. E ainda hoje, os pais, os policias e os governos detestam o hip-hop, a garotada adora. Não é a definição do rock' n' roll? E para mais é refrescante. É algo que veio dos guetos negros, exactamente como o blues, o rock' n' roll, o jazz, o R&B e o funk. O que muda tudo, até a maneira como Garth Brook escreve. o Hip-hop é o som do futuro. Os samplers mudam toda a visão e perspectiva que nós tínhamos da música. Os ritmos são hipnóticos mas isso é genial. Escuta Wu-Tang, vais ouvir traços de Marie Lou Williams! Excepto que estes acordes são improvisados, rapper em free style. Além disso gosto de Doctor Octogon, é o próximo tipo a manter de baixo de olho.

Algumas pessoas lamuriam-se: os rappers, com a sua violência dão um mau exemplo ao gueto...
Ah! Ah! Ah! Pois bem, eu tenho vontade de dizer que dão menos um mau exemplo que os filmes gratuitamente violentos de Hollywood ou os talk-show lixo da TV americana. Para mim, Wu-Tang faz arte. Os filmes de Van Damme, Stallone, extremamente violentos, sem pingo de inteligência por trás, simbolizam lixo. Enquanto que o rap de Wu- Tang, lamento muito, é génio. Eles falam de violência, mas como o faz Cimino no filme "Deer Hunter" [O Caçador, em Portugal]. É uma violência real. Eles não dizem que é preciso sair por aí matando gente, não. Explicam somente que enquanto negros, eles cresceram num contexto de um país fodido: a "Arnérica". Levam aos jovens negros uma mensagem positiva: "Expressem-se artisticamente e terão muito mais dinheiro do que vendendo droga". Acho esta mensagem boa.

Você sofreu racismo?
Não directamente. Mas é claro, o meu grupo, Ciba Mato, não pode tocar em certos estados do sul, porque não temos um aspecto suficientemente branco, e temos os olhos um pouco cerrados.

O que fazem aqui os Black Sabath?
Ah, eles são provavelmente os responsáveis por todos esses grupos de metal de merda mas este álbum (Masters Of Reality) é um prodígio. Eles inventaram o rock pesado. Ninguém era pesado. Jimi Hendrix estava próximo, os Who eram fortes também, mas os Black Sabath radicalizaram o assunto.

Então você gosta de certos grupos de metal modernos.
Adoro Slayer, Reign In Blood. A maior parte destes grupos são idiotas, os textos "Auschwitz I Auschwitz" de mijar a rir, mas a música é muitas vezes formidável.

Nine Inch Nails?
Sim, só que Trent Reznor não toca metal. Falamos de disco-pop, neste caso. Não é nem um cêntimo de heavy. Adoro os Melvins, Nirvana e os antigos Sepultura.

E aqui, um disco de Brian Eno?
Sim, Music For Airports. Ponho-o a tocar sempre que tomo banho. É um disco zen que me faz ver coisinhas que não vejo normalmente. Este disco, é como tomar ácido ou cogumelos...

E estes dois Hendrix?
Estes dois mudaram a minha vida. Eu tinha comprado uma dupla cassete, Are You Experienced? num lado, e Axis: Bold As Love no outo. Eu tinha 11 anos e o meu melhor amigo fez-me comprar isso... Essa cassetezinha mudou a minha vida. Comecei a vestir-me como um hippie, em vez de yuppie. Foi o efeito Hendrix, que é o maior, que me fez compreender que as aulas de piano eram uma chatice, que eu queria tocar guitarra.

Falemos das suas declarações à imprensa. No New Yorker, você diz que John Lennon foi abatido pela CIA. Burburinho escandaloso. Depois, na Rolling Stone, você declara que o seu pai era um "macho pig"... Tem a certeza que não lamenta nada?
Não, não lamento nada, porque é a verdade. Espera... O meu pai, Santo John Lennon e tudo, comeu uma garota uma noite, enquanto a minha mãe estava presente. Será que alguém normal faria isso?

Rock' n' roll...
Sim, só que para mim, o que tenho vontade de dizer, é que isso não é rock' n' roll, é uma nulidade. Todos esses idiotas de Liverpool, eles e os Rolling Stones, toda essa porra de rockers, tinham como passatempo comer as garotas. Mas eis que: um dia, o meu pai, emendou- se. E os seus últimos cinco anos, passou-os comigo, a educar-me, a coser o seu pão. E sabes porque ele era verdadeiramente genial? É que ele era capaz de dizer: "Fui parvo". Ele deu-se conta. E é por isso que ele sempre estará a cima de todos os outros. Porque ele mudou. A sério, mas que comportamento era aquele? E a minha mãe também não era uma Bimbo qualquer. Imaginas a cena? O teu pai a comer uma hippie qualquer enquanto a tua mãe está numa sala ao lado? E depois, merda, não vos vou dizer para que pensem como eu, porque eu não tentarei começar uma revolução, não teria força suficiente. Só queria ser um electraozinho livre que acrescenta novas ideias à arte, à sociedade, à música, às pop-stars. De qualquer modo, os jovens de hoje são bem mais inteligentes do que eram os jovens dos anos 60. A televisão trouxe-lhes tudo...

As Spice Girls, nomeadamente.
Mas está certo. É informação. E sempre é melhor do que ser violada pelo padrasto ou ser filho de uma mãe que não se conheceu. Através das Spice Girls, da Inglaterra, descobre-se que há um outro país que existe, que não os USA. Compete-nos a nós tornar a cultura internacional menos superficial.

Que frase ou declaração do seu pai lhe parece a mais essencial, para si, Sean?
O meu pai disse um montão de coisas que as pessoas não querem de modo algum ouvir falar. Coisas como "Yoko é a melhor" ou ainda "Por vezes eu sou um parvo sujo, e não estou orgulhoso disso". Mas creio que ele deu a chave do futuro com "Imagine"... E essa canção, para mim, continua a ser a mais importante de todos os tempos.

Se tivéssemos que concluir, aqui, imediatamente?
Pois bem, eu digo isto: tento não pensar demasiado na herança dos meus pais, porque é horrivelmente demasiado pesada. Em contraponto, saibam que tento fazer uma música íntegra. Quero fazer discos de música verdadeira, discos honestos que interpelem e que venham do meu coração, sem a mínima Concessão aos novos acordes, às novas modas. É talvez assim que eu posso carregar o facho, não acha?

Uma última pergunta... Sean Lennon é mais Beatles ou mais Stones?
Sou absoluta e definitivamente Beach Boys.


Leia a entrevista original em:
www.yellow-sub.net/apres/lennon/seanlennon/









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