Vladimir Araújo
Um dos maiores especialistas em raridades dos Beatles no Brasil, o cearense Vladimir Araújo assina 3 colunas no nosso portal: POR DENTRO DA MAÇÃ (com análises de bootlegs, revistas e livros), THE BEATLES 30 DAYS (sobre a série de 18 CDs especiais) e THE BEATLES PROMO (sobre itens promocionais dos Beatles). Ele nos concedeu esta entrevista que é uma verdadeira aula sobre "Beatle Rarities", com tudo que o verdadeiro colecionador deve saber.
Uma pergunta que sempre me fazem: "o Vladimir possui mesmo todos aqueles lançamentos que comenta no portal?". E então, você tem mesmo tantos discos?
Veja bem. Quando tive a iniciativa de fazer uma coluna onde fossem
comentados discos piratas e gravações alternativas dos Beatles, procurei
firmar comigo mesmo um compromisso: jamais comentar um álbum sem que
antes o ouvisse. Jamais falar sobre um livro sem antes tê-lo lido. Dessa
forma, sempre procuro adquirir o disco antes de pô-lo na coluna. É mais
honesto com quem está lendo. Sempre me impressionou o fato de que
vários sites internacionais com pouco tempo no ar já exibiam mais de
mil CD's comentados. Depois descobri que a maioria deles funciona com o
envio de resenhas feitos por fãs, não necessariamente conhecedores da
obra do grupo. Assim fica fácil. É por isso que existe tanta informação
errada por aí. Respondendo, pois, a pergunta, sim, os discos em sua
grande maioria são meus, adquiridos arduamente no decorrer dos anos.
Como é que dá tempo para ouvir tantos discos, ler tantos livros e assistir tantos vídeos - além de levar uma vida de "gente normal"?
Se estivesse começando agora a colecionar itens dos Beatles, ler
sobre o grupo e ouvir tantas gravações, com certeza não daria tempo. Mas
é que já estou nesse meio há uns bons vinte anos e antes minha vida não
era tão atribulada. Conseguia, pois, ler tudo o que podia e ouvia os
discos com maior tranquilidade. Com o tempo, surgem as preocupações do
trabalho, família e é normal haver uma espécie de retração. No entanto,
sempre sobra um tempinho pra ler um novo livro e escutar os últimos
lançamentos do mercado alternativo.
Todo colecionador esconde suas "fontes". Você poderia pelo menos responder através de que métodos você consegue tantas raridades em CD e vídeo?
Quase a totalidade do material é conseguido, é comprado no exterior.
Muitas vezes não se trata de esconder as fontes, mas é que os próprios
vendedores destas gravações não gostam de ser identificados.
Qual o item mais querido da sua coleção e qual foi o mais difícil de se obter?
Poderia listar vários, pois, para o colecionador de material dos
Beatles existem alguns itens que simplesmente fazem a diferença. Falando
de CD's, um dos meus preferidos é um promo lançado durante a febre do
disco "The Beatles 1" e chamado "The Beatles Soundbites". Trata-se de um
single onde cada um dos Beatles e ainda o produtor George Martin comenta
as faixas do álbum 1. Na época o disquinho chegou a custar em lojas
especializadas quase R$ 600,00 e hoje é extremamente raro. Foi um dos
mais difíceis de conseguir. Em se tratando de livros, poderia citar as
primeiras edições dos dois livros lançados por John Lennon em 1964 e
1965. Adorei consegui-los. Tem também o jornal Mersey Beat, de
Liverpool, original, datado de janeiro de 1963 com uma das primeiras
publicidades do grupo e onde o nome de Paul McCartney aparece grafado de
forma errada. Agora, xodó mesmo, e como não poderia deixar de ser, são
os autógrafos de Paul McCartney e George Harrison, todos devidamente
emoldurados.
Antes da Internet, como eram feitos os contatos com os outros colecionadores, para aquisição das raridades?
Antes da Internet tudo era mais difícil e demorado. Os contatos eram
feitos por carta e não podemos esquecer que o advento da Internet quase
que coincide com o aparecimento do CD. Sendo assim, além tudo levar mais
tempo, lembro que ficava rezando para o velho vinil chegar para mim em
bom estado. Não tinha esse negócio de débito on line ou via cartão de
crédito. Era tudo em cash. Uma verdadeira temeridade, mas tinha lá seu
charme.
A coluna "Por Dentro da Maçã" completou recentemente 1 ano de vida. Como você vê esse momento? Está satisfeito com o resultado?
Muito. Principalmente por observar pelos comentários dos que acessam
o site que o objetivo está sendo atingido. Procuro visar principalmente
o fã neófito, aquele que ao se deparar com um álbum pirata não sabe o
que é , desconhece a qualidade da gravação e a história do disco. Lembro
que quando comecei a adquirir álbuns piratas, a maioria das compras eram
feitas no escuro. O acesso a livros sobre bootlegs não era tão fácil
como hoje e os que existiam eram importados. Cansei de comprar discos
com takes iguais onde só a capa era diferente. O que mais me deixa
feliz é quando recebo um e-mail de alguém que comprou um CD pirata e me
diz que a coluna o ajudou de alguma forma e que o comentário batia
exatamente com o que ele estava escutando no disco. Isso pra mim não tem
preço. Ressalto também, que sempre que posso procuro não me ater
totalmente ao disco em si, buscando sempre que possível contar um pouco
da história das gravações, analisando o contexto em que as faixas foram
feitas.
Além dos Beatles, você coleciona material de outros artistas, ou pelo menos gosta? Quais?
Não diria que coleciono, mas compro muitos discos de outros artistas.
Desde os seis anos que escuto Rock'n Roll, pois, meus irmãos sempre
compraram muitos álbuns. Dai, tenho coisas do Led Zeppelin, The Who,
Yes, Pink Floyd, Genesis, Bob Dylan, Rolling Stones enfim, da maioria
dos representantes do bom e velho Rock'n Roll .
Apesar de ser tão longe do eixo Rio-SP, Fortaleza parece ter um cenário Beatle bem intenso. Como você analisa essa realidade?
Essa pergunta merece uma resposta cuidadosa. De início, não acho que
o cenário beatle em Fortaleza seja tão intenso assim. Poderia ser melhor
se tivéssemos espaços para exposições, workshops, apresentações de
filmes e tudo mais. No entanto, a cena beatle em Fortaleza resume-se
praticamente a algumas bandas cover que tocam músicas dos Beatles e a
um programa de rádio (Frequência Beatles) que vai ao ar todo sábado por
uma rádio universitária local e do qual participo com um quadro sobre as
novidades do mundo beatle. Particularmente acho pouco. Na maioria das
vezes as iniciativas partem de colecionadores individuais. Não se vê por
aqui , por exemplo, bandas de outros estados, locais onde possa haver
troca e venda de material etc.
Todos conhecemos as realizações da dupla Vladimir Araújo/Claudio
Teran aí no Ceará. Você incluiria outras pessoas daí como importantes
para a Beatlemania nacional? Quem?
Certamente que existem em Fortaleza outras pessoas que compram discos
e material relativo aos Beatles. Contudo, e pra não correr o risco de
esquecer alguém, gostaria no momento de citar o nome do grande amigo
Julio Serra, um dos precursores da beatlemania no Brasil e que já fazia
nas décadas de 60, 70 e 80 o que Teran e eu fazemos hoje.
E a família, como encara esse fanatismo pelos Beatles? Toda a família Araújo é beatlemaníaca, ou você também é uma "ovelha negra"?
Meus irmãos admiram e respeitam o grupo mas, não posso dizê-los
beatlemaníacos. Eles sempre gostaram de outras vertentes do Rock. No
tocante ao gostar, digamos, "exagerado" pelos Fab Four, nunca deixei que
ultrapassasse a barreira do real. A obra do grupo está veia, mas os pés
tem sempre de estar no chão.
Sendo um fã "das antigas", que comparação voce faria da Beatlemania
atual com a dos anos 70, 80 e 90?
Nas décadas passadas, até pela dificuldade em se obter informações e
material, acho que o romantismo era maior. Hoje ficou tudo muito fácil.
Sabe-se de tudo o que acontece sobre os Beatles com um clique de botão.
Lembro que no final da década de 70 uma das únicas publicações sobre
música no Brasil era a revista Somtrês e que ficava esperando
ansiosamente para ler a coluna do Malagolli. Quando um vinil chegava ao
Brasil, já havia sido lançado no exterior há vários meses e pouco ou
nada sabíamos sobre o álbum. Hoje, sabemos dos passos de Paul McCartney
ou Ringo em tempo real e, se quisermos, podemos comprar um disco no
máximo um ou dois dias após o mesmo ter sido lançado no mercado
internacional. Cada época, pois, tem seu diferencial.
Qual o seu momento máximo como Beatlemaníaco?
Sem dúvida alguma a visita em 1996 a Londres e Liverpool. Atravessar
Abbey Road, parar em frente ao portão de Strawberry Fields, caminhar em
Penny Lane ou estar na Mathew Street são sensações inigualáveis para
qualquer fã do grupo. De repente aquilo tudo é história mas está bem
ali, na sua frente. É como se tudo o que você já viu apenas em
fotografia nos livros e revistas se materializasse. Inesquecível.
Não sei quantos discos você tem mas, tem gente por ai que diz ter mais de mil discos da banda. Existem mesmo tantas gravações piratas assim?
Olha, não tenho mil discos dos Beatles e nem acho que uma coleção
deva ser medida pela quantidade de álbuns que você tem na estante. De
que me vale ter dez discos onde somente a capa é diferente? Sim, porque
hoje é preciso ter cuidado, pois, os ditos "pirateiros" pegam faixas
já lançadas em outros CD's, montam uma nova embalagem e jogam no
mercado. Acima de tudo há que se separar o joio do trigo. E pra fazer
isso, pra comprar com critério você tem que ler, você tem que se cercar
de fontes de pesquisa e saber onde estão realmente as gravações raras.
Veja o exemplo das sessões do Let It Be. Quantas centenas de discos já
saíram sobre aquelas gravações até que, enfim, se chegasse a uma série
concisa e coerente como a 30 Days?
Penso que tudo é uma questão de
critério. Posso até estar errado, mas não acho de todo interessante ter
todos os discos piratas, por exemplo, de uma turnê de Paul McCartney
onde o track list não se alterou. Tome-se a título de ilustração essa
última turnê de Paul. O cara fez mais de 20 apresentações e somente em
uma delas, em Toronto, fez algo de diferente, tocando Mull of Kintyre.
O que importa então? Adquirir dois ou três shows e mais o show de
Toronto, exatamente por diferenciar-se dos outros. Assim ocorre com os
takes de estúdio. De repente alguém diz ter vinte CD's com outtakes do
disco All Things Must Pass. Escute-se atentamente e logo se vai perceber
que a maioria das gravações são repetidas. Costumo às vezes comprar um
disco por causa de uma faixa, pois, se essa música for rara e
importante para uma coleção, há que ser adquirida. Também questiono
bastante as pessoas que se importam mais em comprar discos piratas que
mesmo os álbuns oficias. Acho um contra-senso. Como ter dez álbuns
piratas de Ringo Starr se a coleção oficial não está completa?
Critério e pesquisa são palavras chave.
Como você definiria o disco promocional dentro de uma coleção?
Você tocou num ponto bem interessante. Veja bem: quando se consegue
adquirir todos os discos oficiais dos Beatles, carreira solo e a parte
que realmente interessa da pirataria, o colecionador costuma se
perguntar: e agora? Pra onde ir? O caminho dos promos é uma boa resposta
e explico o porquê. O Cd promo ocupa uma posição intermediária onde,
apesar de não fazer parte da discografia oficial do artista, é produzido
pela gravadora e com a participação do músico, ou seja, o cara opina na
capa do promo e nas músicas que vão fazer parte do track list. E mais: o promo geralmente vem numa embalagem especial por ser feito em baixa
tiragem e não raro, traz uma ou outra faixa exclusiva. O caso dos
Beatles é sintomático. Como não comprar o promo do álbum Vertical Man de
Ringo Starr, por exemplo, se somente nesse disco saíram duas faixas que
não constam no disco oficial? Como não ter o Howitis, de Lennon, se só
ali se encontra uma rara versão da faixa I'm Loosing You? Gosto sempre
de lembrar também que o último disco lançado por George Harrison foi
na realidade um promo, contendo uma entrevista de mais de vinte minutos
concedida a um jornalista americano. O disquinho saiu em fevereiro/março
de 2001 e George morreria poucos meses depois. Dá pra ignorar isso? É
verdade que são itens caros, por terem sua venda proibida mas, acho que
vale a pena.
Na sua avaliação, qual a importância de um site como o BeatlesBrasil
para a beatlemania nacional dos dias de hoje?
Olha , fica meio difícil responder essa pergunta exatamente por eu
escrever três colunas para o site. De repente qualquer coisa que eu fale
aqui, pode parecer que estou "puxando o saco". Mas, vamos lá. Achei
ótima a iniciativa do portal, principalmente por haver preenchido uma
lacuna. Não havia no Brasil até então, nada parecido. Sites de Beatles
até que se encontrava mas, sempre para comercializar material. Nada de
informação. Acho que o diferencial do BeatlesBrasil está justamente
nisso, pois, da forma como está caminhando consegue dar informações a
novos fãs dos Beatles e fazer com que mais e mais pessoas conheçam a
obra do grupo.
Saideiras:
Beatle preferido: Paul McCartney, sem nenhum desmerecimento a genialidade dos outros três.
Música: Norwegian Wood (apesar de ser quase impossível escolher só uma)
Disco: Abbey Road
Frase: "Turn off your mind relax and float down stream" (Tomorrow Never Knows)
Vinil ou CD: CD e que me perdoem os puristas.
Entrevista concedida a Jose Carlos Almeida
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