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A balada Fluxus de John e Yoko


Márcio Padrão

Um dos clichês mais discutidos sobre a relação entre John Lennon e Yoko Ono é que a japonesa seria uma mera aproveitadora do sucesso do beatle, pois teria usado a influência do marido para ingressar no mundo da música e lançar uma discografia cheia de canções nonsense e sem nenhum mérito. O engraçado desse clichê é que ele oculta uma verdade quase inversa: Lennon se interessou por Ono justamente porque ela já tinha uma carreira em ascensão como artista plástica. Conscientemente ou não, John passou a se apropriar de algumas das idéias de Yoko e sua arte seguiu novas direções ao longo do namoro e casamento de ambos.

O Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam), no Recife, abrigou de 2 de novembro de 2007 a 13 de janeiro de 2008 a exposição Fluxus - Acervo Paulo Bruscky, no qual foi possível ter alguma idéia de como agia os artistas ligados a esse movimento artístico. Para um leigo em artes plásticas, a mostra não significaria muita coisa, mas alguns beatlemaníacos podem ter conferido o evento por conta de dois nomes na relação de artistas expostos: John Lennon e Yoko Ono.

Antes de continuar a falar do evento em si, cabe uma pequena contextualização. O Fluxus é um movimento que tem seus primórdios nos nos 50, com os experimentos musicais e sonoros do compositor norte-americano John Cage, mais conhecido pela suíte muda 4'33". Depois vieram o arquiteto George Maciunas e artistas de destaque como Dick Higgins, Nam June Paik, Joseph Beuys e... Yoko Ono, que nos anos 60 morava em Nova York e teve grande contato com esses artistas. A proposta do movimento é o cultivo a uma intensa liberdade estética e a negação da institucionalização da arte. Os seus adeptos costumavam realizar experimentações como colagens de sons do cotidiano, happenings, obras interativas, cartões impressos e curtas-metragens com longos planos seqüência sem narrativas.

A exposição seria uma boa chance de conferir dois aspectos pouco explorados do universo beatle: mensurar a importância de Yoko como artista plástica (o curioso é que uma exposição semelhante, mas apenas sobre toda a obra de Yoko, ocorreu em São Paulo em outubro de 2007); e identificar qual, afinal, seria o grau de relação de John Lennon como suposto participante do Fluxus. No final, a impressão que fica é quase aquela que assombra Yoko até hoje: que John se aproveitou da proximidade da esposa com o Fluxus para ensaiar uma tentativa de ser artista plástico.

Os fãs sabem que Lennon não era uma nulidade em artes plásticas. Afinal, seu interesse no assunto existia mesmo antes do rock n' roll e dos Beatles, pois ele foi estudante de artes na adolescência. Também fez diversos desenhos para seus livros In His Own Write e A Spaniard in the Works. No entanto, o olhar de Lennon sempre foi mais de um empolgado apreciador e hobbista, nunca chegando a elevar suas aptidões ao nível da sua carreira como cantor. Mas Yoko e o Fluxus tiveram, sim, grande influência sobre Lennon mesmo na música e na postura de rockstar. Os exemplos disso são vários: a música Revolution n. 9, os bed-ins, o disco Two Virgins, entre outros.

Voltando à exposição, uma parte inclui um móvel de vidro que guarda alguns objetos de Paulo Bruscky (artista plástico pernambucano que tem influência do Fluxus) relacionados ao casal beatle. São basicamente reportagens, textos, alguns livros sobre a arte de Yoko, e capas de CDs e DVDs. Tem até um exemplar do DVD Lennon Legend. Nessa parte, não há nada de obras dos dois (embora no Fluxus o conceito que temos de "obra de arte" seja totalmente confrontado). Havia apenas fragmentos - um caco de porcelana, folhas secas, um prego - de três produções de Yoko que foram expostas na mostra de São Paulo, acompanhadas de fotos. No segundo andar do museu, também era possível ver alguns curtas-metragens de Yoko e ouvir a gravação de sua autoria chamada "Toillet Piece" (uma gravação de um vaso sanitário dando descarga), em uma coletânea em CD de artistas do Fluxus.

De um modo geral, a inclusão de John Lennon nos créditos de Fluxus - Acervo Paulo Bruscky implicou mais em uma estratégia de marketing do que em uma real contribuição do beatle para o acervo. Yoko, sim, pôde ser representada pelas obras citadas. Mas essa revelação, conforme foi dito, é muito sintomática da real relação de Lennon com as artes plásticas. Revolution n. 9 talvez seja mesmo a obra mais próxima do Fluxus que o parceiro musical de Paul McCartney mostrou ao mundo. Para os muitos opositores a Yoko Ono, já foi mais que suficiente. Já a exposição vale mais a pena pelo restante do acervo, de autoria dos demais artistas do Fluxus, como Robin Crozier, Christo e Jeanne-Claude Christo, John Cage, Dick Higgins e muitos outros.








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