Reviews
The Beatles
Love



Love is a flower. Resumir o 'novo' lançamento dos Beatles, ou a eles atribuído como um mero remix é de um indigente simplismo, incapaz de alcançar a genialidade de George Martin, auxiliado pelo filho Giles, ao ousar mexer naquilo que é perfeito, eterno e irretocável sem medo de uma nova inquisição. Para um calejado conhecedor de Beatles não há como não estranhar.

Minha primeira impressão ao escutar o preview do disco Love - que quem quis já baixou da internet à vontade, antes do lançamento - foi de surpresa. De incredulidade. Um pouco de incompreensão, talvez. Busquei um espelho. Olhando-me, enquanto os sons rolavam no estéreo (não tenho 5.1) deu para perceber que estou em boa forma ainda, mas já se vão 44 anos de existência.

Enquanto eu tentava 'capturar' pelos ouvidos todos os sons embutidos no casamento entre Drive my Car/What You're Doing/The Word o que me veio à cabeça é que eu estou envelhecendo com dignidade. Mas essas canções dos Beatles não. Continuam vigorosas, frescas, com o viço de uma juventude eterna. Então creio que uma das primeiras virtudes de Love é nos levar a 'enxergar' isso, auditivamente falando. O padrão de qualidade da produção dos Beatles permitiu juntar antiguidades como I Want to Hold Your Hand com Come Together no mesmo pacote. Não há disparidade entre as duas pelo aspecto técnico. São os mesmos Beatles tocando e cantando maravilhosamente.

Exuberantes e únicos na capacidade de harmonizar arranjos. Mas ao mesmo tempo é como se fossem duas bandas, embora pouco menos de seis anos separe uma produção de outra. Essa evolução inalcançável dos Fab Four pode ter sido uma das inspirações que justifica Love. Afinal, o que veio primeiro? A idéia de utilizar-se canções dos Beatles num projeto de encenação circense, ou a colagem musical?

É o que menos importa nesse momento. Quando Love começou a tocar - ao cabo mais ou menos da quinta ou sexta faixa eu estava com a firme impressão de loucura. Parecia que dezenas, centenas de equipamentos de som ligados simultâneamente me jogavam aos ouvidos todas as canções, de todos os discos, misturando seus sons, e trançando suas idéias como num delírio coletivo. Costuma-se dizer que Ringo Starr era um 'relógio' em termos de andamento, com sua batida sem oscilações. Pois essa qualidade deve ter sido fundamental para Love. É hipnótico ouvir os tambores dele produzidos para Tomorrow Never Knows, acompanharem à perfeição a voz celestial de George Harrison em Within You Without You.

Love também nos restitui a glória de ouvir novamente Beatles. Ouvir de verdade, com uma qualidade que ainda não dispomos. E que aliás, jamais dispusemos em toda a nossa existência. Até hoje quando escuto I'm Looking Through You em CD, fico esperando pelo (d)efeito da edição nacional, onde um canal de áudio simplesmente caía, nos velhos dias dos vinis. Tempos idos. Love chegou para nos apontar caminhos futuros.

Quando todos os álbuns dos Beatles forem relançados com o som que queremos, e merecemos, esta 'colagem sonora' de George Martin será o ponto de partida. O referencial. Back in the USSR por exemplo, nos entrega pela primeira vez o final da música limpinho, com Paul quase falando no fechamento. Você já tinha escutado isso antes? Insisto que resumir o trabalho à obviedade de um remix não faz jus ao que temos naquelas vinte e seis trilhas, e incontáveis faixas casadas. É tudo Beatles ou quase tudo, com mínima intervenção alienígena. A mais expressiva delas porém, em While my Guitar Gently Weeps, soa como se a concepção tivesse sido feita em 1968/69. E somente agora encontrada esquecida, empoeirada num rolo de fita em Abbey Road.

Com muita idade e lucidez, George Martin pode estar querendo dizer com Love, que conhece como ninguém a alma musical e criativa dos Beatles. Lançar corajosamente um disco como esse é para muito poucos. Estou fechando esse texto na quarta audição do meu CD-R, maravilhado com a voz de John em All You Need is Love.

Encantado por escutar de verdade, pela primeira vez, a evolução melódica do baixo de seis cordas utilizado em Hey Jude. Ele está lá há muitos anos, atravessou minha infância, juventude, adolescência, mas me foi apresentado aos ouvidos agora, aos 44 anos de idade adulta, na noite do último sábado.

Love é para redescobrir os Beatles mais uma vez. Mas também vai servir para conhece-los. Meu filho de 16 anos, que ouviu um tempo o disco comigo em silêncio afirmou: "porque os sons dessas gravações estão bons desse jeito e nos discos normais não é assim?" Acho que se John Lennon escutasse tudo o que está contido no disquinho digital do Love poderia responder para ele cantarolando, 'love is a flower/you got a let it/you got a let it grow'...

CLAUDIO TERAN
ccsteran@yahoo.com.br









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