Reviews
Paul McCartney
Memory Almost Full



O "LADO B" DE PAUL Mc CARTNEY
Quando escreveu When I'm Sixty Four há 40 anos, Paul McCartney julgou que estaria aposentado aos 64 anos de idade. Na letra chega a mencionar uma ambição bem inglesa, típica dos idosos britânicos em décadas passadas, passear pela Ilha de Wight acompanhado dos netos, cujos nomes - ele divagava - poderiam ser Vera, Chuck e Dave. Enganou-se redondamente. Aos 64 anos, Paul McCartney está bem vivo e ativo. Parece longe da aposentadoria, esbanja carisma, e exibe um charme raro, invejável para um homem da sua idade. Talvez resida justamente no esforço que faz para permanecer contemporâneo que McCartney erre. A contemporaneidade, esquece ele, está em tudo aquilo que representa em nossas vidas, seja como Beatle, como Sir, ou como cidadão do mundo.

Entendo que se equivocou em seu novo lançamento, "Memory Almost Full". O disco não é ruim. Mas também está longe de ser bom. E não chega a ser uma droga. 'Memory Almost Full' é incomodamente mediano. Quem acompanha Paul McCartney ao longo dos anos sabe que se trata de um sujeito irrequieto e criativo. Estamos falando do autor de Yesterday, Michelle, For no One, She's Leaving Home, Hey Jude, Blackbird, The Long and Winding Road, e Let it Be. Se, por tudo o que já fez não temos o direito de cobrar-lhe mais nada, é natural que dele esperemos sempre mais. E é aí que 'Memory Almost Full' falha. Trata-se de uma produção previsível, onde até os poucos bons momentos soam repetitivos.

"Ever Present Past", a faixa de trabalho, só estaria no lugar certo se tivesse surgido em 2.005, como 'lado b' de um single com "Fine Line" do lado A. O reconhecimento de que a música escalada para 'puxar' o disco não era suficientemente boa ficou evidente com a escolha de "Dance Tonight" para o primeiro videoclipe. Esta é uma música de gostosa levada, com belo arranjo marcado pelo som inconfundível do bandolim. Mas falta-lhe algo mais. A audição completa dá a sensação que não foi integralmente finalizada. "See You Sunshine" parece retirada do disco Driving Rain, assim como "Mr.Bellamy".

À medida que você escuta, vai digerindo bem composições como "Only Mama Knows", com sua delicada introdução de violinos que logo depois se transforma num pop/rock bom porém previsível. Quando essa canção se encerra, com novo naipe de instrumentos clássicos tem-se a impressão que já ouvimos aquilo antes. A mente vai ao encontro do melhor de Paul McCartney. No comparativo, "Memory Almost Full" sai perdendo, claro, já que para ser contemporâneo como Paul McCartney insiste, falta-lhe o frescor da inventividade, aquela velha pegada com a qual nos acostumamos. Consumidores de um 'Coldplay' certamente irão ignorá-lo.

"You Tell Me" é uma faixa suave, com cara de 'b side' do disco Chaos and Criation in a Backyard. A sensação que tive desde a primeira audição é que estamos diante de uma sucessão de 'lados b'. Com canções apenas boas, mas indignas da vaga de 'titulares' numa produção realmente inspirada de Paul McCartney. Por mais que o próprio Paul e o produtor David Khane se esforcem para apresentar o novo lançamento como produção absolutamente fresca, uma audição atenta e sincera revela o contrário. Rigorosamente nenhuma composição deste novo CD entraria numa lista das digamos, 'vinte mais' de Paul na carreira solo. Eu não incluiria nenhuma delas no 'setlist' de álbuns que considero melhores como Flaming Pie, ou mais antigos como Band on the Run e Wild Life.

"Memory Almost Full" parece sim um disco de 'sobras' de produções recentes, como Chaos and Criation e Driving Rain. "Feet in the Clouds" por exemplo, é puro Chaos. Para mim os melhores momentos despontam em "That Was Me", com sua levada semelhante à Twenty Flight Rock, e um estupendo trabalho de baixo Hofner. "House of Wax", tenta ser 'grandiloquente', soa bonita, mas tem um forte clima de "C'Mon People" do disco Off the Ground, de 1993. Gosto de "End of the End" uma balada tocante, melancólica, algo sombria com sua letra quase lúgubre. Nela talvez esteja embutido um desabafo, revelador dos maiores dilemas por trás deste novo disco. Ele chega após uma crise sem precedentes na vida de Paul McCartney, a separação de Heather Mills e o sofrimento que lhe foi infligido pelo rumoroso escândalo em torno do caso. Para ele certamente foi devastador, considerando a imagem de bom moço que sempre cultivou com esmero e profissionalismo ao longo de todos esses anos. Então é necessário ponderar que "Memory Almost Full" é, quando nada, uma perfeita tradução do momento ruim que Paul tenta apagar da memória. Quase cheia?

"Nod Your Head" o furioso rockão que fecha o disco, queria ser "Rinse the Raindrops" do disco 'Driving Rain' mas reduziu-se a um esboço tímido de pouco mais de dois minutos. "Memory Almost Full" frustra por ser mais um disco de Paul McCartney, quando dele sempre esperamos um petardo, um acontecimento. É esforçado, mas não chega a ser bom. Não chega a ser ruim. É incomodamente mediano. E jamais será apontado como um dos melhores trabalhos de sua gloriosa carreira.

CLAUDIO TERAN
ccsteran@yahoo.com.br









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