Reviews
DVD: The Unseen Beatles

29.11.2008

Quando a BBC anunciou no ano passado que levaria ao ar um especial contendo imagens inéditas dos Beatles os fãs mais calejados ficaram com um pé atrás. Podia ser tão somente mais um anúncio comercial enganoso para atrair o público, filme antigo visto e revisto por quem cultua uma banda que está separada formalmente há quase quarenta anos. Com seu catálogo e acervo virado e revirado é de se supor difícil que exista material verdadeiramente inédito e finalizado dos Beatles sem que sequer tenhamos ouvido falar da existência dos mesmos. No quesito imagem, o material disponível está aparentemente todo aí para o conhecimento geral, e a discussão é se peças como os shows do Shea Stadium 65, Munich 66, Melbourne 64 e Palais Des Sports 65 existem preservados em seus masters e na íntegra, já que assim não circulam, infelizmente.

Eis então que surge a BBC com o anúncio de um pacote de imagens inéditas que seriam mostradas num especial de TV. O material foi exibido em novembro de 2007 com grande expectativa, mas terminou dividindo opiniões. No geral a intenção é boa, mas o resultado final decepcionante. O documentário exibido dentro do programa Timewatch, abre com uma impressionante imagem colorida dos Beatles adentrando ao Candlestick Park em São Francisco, na noite fria do dia 29 de agosto de 1966. O mundo ainda não sabia, mas daquela ocasião em diante os Fab Four nunca mais fariam uma turnê. Era, portanto, seu derradeiro concerto ao vivo num palco. A imagem (granulada) foi capturada em equipamento amador de super 8 mm. A qualidade é muito boa se levarmos em conta a época e condições em que foram feitas. Fica fácil perceber também que o manejo da câmera foi cuidadoso, com ótimos ângulos e planos, embora por trás do equipamento estivesse um garoto de apenas quinze anos, Barry Hood, que filmou antes, durante e depois do concerto. Numa das cenas mais inusitadas é possível ver George Harrison empurrando um carrinho com equipamentos em direção ao palco. Tem-se até aí a impressão que veremos os Beatles tocando e cantando ao vivo no palco montado no centro verde do gramado do estádio de baseball de São Francisco, mas descobrimos minutos depois que é pura ilusão.

Acordamos do sonho quando as imagens do Candlestick Park são cortadas e editadas aos pedaços com outras tantas que oscilam do desconhecido ao batido ao longo do restante do documentário. Há sim imagens inéditas no DVD 'The Beatles Unseen' (lançamento nacional da Coqueiro Verde Records legendado em português) mas o programa só tem sentido se um dia for divulgado que o material exibido na base da fragmentação exista completo e integral. Nesse caso 'The Beatles Unseen' seria como um trailer do que poderia vir a ser lançado no futuro. Novamente não tenhamos maiores ilusões. Logo na introdução somos informados que as imagens que assistiremos vêm dos arquivos de antigas produções jornalísticas. Material de reportagem não costuma ser gravado na íntegra pelas emissoras de televisão. Assim nada neste documentário é mostrado da forma como gostaríamos de ver e ouvir. Ouvir por sinal é um problema. Não há som original dos Beatles ao longo de toda produção. Nem no menu introdutório. A trilha incidental é composta de instrumentais que com imitações de riffs e acordes dos fabs. A produção do 'Timewatch', da BBC estaria sem verba para pagar os direitos autorais e verdadeiramente tocar Beatles?


Há atrativos que justificam a compra do DVD (R$: 25,00 em média). Cenas em cores nunca vistas da banda embarcando, veraneando e desembarcando em Jersey (Inglaterra) em 1963 chamam atenção. O material gravado em super 8 mm aparece completo nos 'extras', onde erroneamente confundiu-se Jersey (UK) com Nova Jersey (EUA). Imagens coloridas dos Beatles tocando com os famosos terninhos sem gola do figurino de 1963 (ABC Theatre Blackpool) também contribuem para criar expectativa, deixando no ar as indagações de praxe: São filmagens integrais? Tem som? Provavelmente não. A produção do programa se contenta em exibir o material inédito como um troféu, mas não informa sobre o contexto das gravações. Há outras cenas curiosas da intensa movimentação do público antes, durante e após o show do London Palladium em 13 de outubro de 1963. E Momentos privados que flagram Mimi Smith (tia de John) embarcando com os rapazes para a turnê da Austrália em junho de 1964. Num dos melhores momentos do programa os Beatles são mostrados a bordo. E entrevistados! No final de 'The Beatles Unseen' fica no ar a impressão de que a BBC deu um tiro n'água. E acabou mais confundindo que explicando.

O show do Candlestick, por exemplo, foi filmado na íntegra? O que se comenta é que os fragmentos que constam do DVD 'The Beatles Unseen' teriam no total quase 40 minutos de duração. Mas a filmagem é contínua? Nada disso é informado. Para completar o programa escorrega feio em seus propósitos de ineditismo ao voltar a exibir mais uma vez aquelas velhas imagens dos discos dos Beatles sendo queimados em praça pública nos EUA por fanáticos religiosos e aproveitadores de plantão inconformados com a história do 'somos mais populares que Jesus.' Vale ainda o registro que mesmo as imagens da câmera super 8mm de Barry Hood não são propriamente inéditas. Já foram vistas noutras produções bem batidas (nunca na íntegra) como é o caso de um VHS divulgado com estardalhaço nos anos 90 com o título 'The Beatles Live at Candlestick Park', com muito blá bla blá, 'entrevistas' com pessoas sem a menor importância, e imagens esparsas do concerto.

O que salva o presente documentário do naufrágio são alguns depoimentos (incidentais no programa e integrais nos extras) todos relevantes, como os da jornalista Maureen Cleeve - hoje uma vetusta senhora de 70 anos com seu estranho penteado - comentando o impacto da reportagem com John Lennon por ela produzida para o Evening Standard resultando na polêmica que envolveu a fé cristã. Allan Williams fala com tocante sinceridade para um sujeito ambicioso como ele sempre foi agradecendo aos Beatles por ter participado do começo da história deles. Tony Barrow, um sujeito de muitas histórias também vale a pena ouvir, levando-se em conta que ele viveu a primeira fase da beatlemania, e o comecinho da segunda, como relações públicas da banda, trabalhando diretamente com os rapazes e Brian Epstein.


Ele conta com absoluta riqueza de detalhes a repercussão de fatos traumáticos ligados à turnê de 1966: ameaças de assassinato no Japão, a tensão nas Filipinas, e a forma como a imprensa americana 'pressionou' John Lennon, exigindo dele um pedido público de desculpas pela história do “somos mais populares que Jesus”. Outro grande depoimento, aquele que certamente surpreenderá os fãs mais técnicos vem de Tony Bramwell, que trabalhava na equipe de apoio da banda. Ele relata como se deu o Concerto do Shea Stadium em 1965, cita o equipamento sonoro utilizado no estádio, o processo de gravação do show e a frustração de todos com o resultado final. Também fala da regravação integral do áudio. O honesto relato de Tony Bramwell é absolutamente esclarecedor, e contribui para dissipar um pouco a cortina de fumaça de fatos ligados a um dos mais importantes pedaços da história dos Beatles.

Também é digno de nota o depoimento de Norman 'Normal' Smith, o engenheiro de som que participou da primeira audição dos Fab Four para a EMI. Ele estava ao lado de George Martin naquela ocasião de 1962. Norman, também conhecido como Hurricane Smith, faleceu no dia seis de março de 2008 aos 85 anos. No mais 'The Beatles Unseen' é um especial que cai na vala comum do gênero, com todos os vícios que esse tipo de produção acarreta. Amanhã ou depois vai estar encartado numa dessas revistas de música e será vendido em bancas de jornal. É uma pena porque com maiores esclarecimentos e contextualização o material tinha tudo para ser uma atração de primeira grandeza.

CLAUDIOTERAN
ccsteran@yahoo.com.br








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