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ALL TOGETHER NOW
The Beatles 'LOVE' DVD

24.12.2008

Quando a exibição do DVD All Together Now se encerra, documentando em 84 minutos os bastidores do ambicioso projeto 'LOVE' a sensação é de perda. Não pela qualidade do produto, algo irrepreensível. O problema com este documentário reside justamente naquilo que ele não mostra. Além do filme principal somos brindados com bons 'extras' onde detalhes da incrível mixagem digital que conseguiu o feito de mexer no sagrado sem profaná-lo, encantam pela ousadia e talento de George Martin e seu filho Giles.

Estão lá os atores que participaram da produção (inclusive brasileiros como César Andrade, Rafael Batista, Silvia Fontoura Aderne e Daniel Ortiz) os executivos que cuidaram dos bastidores, a ativa e decisiva atuação de Guy de Liberté, Dominique Champagne, Neil Aspinall, George & Giles Martin e até mesmo a recuperação de uma rara imagem na qual Paul McCartney & George Harrison aparecem juntos em 2001 após assistirem a um dos espetáculos do Cirque De Soleil (“O”) de onde saíram algumas idéias que geraram o casamento da música dos Beatles com o estupendo grupo circense. Mas onde está mesmo o espetáculo? Ironicamente 'LOVE' se assemelha com a música que os Beatles passaram a fazer depois de Candlestick Park em 1966. Naquele tempo as canções de álbuns como Revolver & Sgt. Peppers não reuniam condições para execução ao vivo nos palcos. Eram sofisticadas demais. Quarenta e dois anos mais tarde, o espetáculo 'LOVE' enfrentaria o mesmo dilema?

Criado para encantar, 'LOVE' permanece restrito demais. Quem foi mesmo que viu LOVE? O megaevento que levou quase dois anos para ser finalmente encenado - alvo de exaustivos ensaios e negociações - por ora continua sendo privilegio de poucos. Permanece em temporada exclusiva no impressionante Teatro Mirage, em Las Vegas (para americano ver) e de lá ao que parece não sairá tão cedo. Na página do Cirque de Soleil na internet é possível comprar tickets antecipados para os próximos quatro meses. Quem viu (público e crítica) concluiu que 'LOVE' é sensacional e grandiloqüente demais para excursionar pelo planeta. Animados com a trilha sonora, os fãs dos Beatles inseridos em contextos 'terceiro-mundistas' como o nosso (sim ainda o somos) imaginavam que só veriam 'LOVE' em DVD. O disquinho com as imagens sairia em turnê como foi feito com os promo vídeos dos Beatles a partir de 1966. Naquele tempo as fitas viajavam para serem exibidas pelos principais canais de televisão do globo enquanto a banda ficava em estúdio produzindo para encantar o mundo. O projeto 'LOVE', ao menos por enquanto, parece que vai subverter essa era de modernidade.


O belo documentário All Together Now cumpre o papel importante de detalhar os bastidores da produção, mas não mostra o 'LOVE'. Fica a impressão (não admitida) de que é difícil que o projeto saia em excursão pelo mundo. Também não parece viável transformá-lo num filme. E isso fica evidente quando assistimos o DVD. Nenhum trecho completo do espetáculo é exibido. O que temos são fragmentos. Cortes para os ensaios, cortes para depoimentos os mais variados, pré-exibições para Ringo Starr, Paul McCartney, George Martin, Yoko, Olivia, Dhani, Cynthia e outros, além de impressões gerais dos atores envolvidos - tudo entremeado por cenas esparsas da produção. Nada completo, repito. Fica faltando 'LOVE', o Espetáculo que queremos ver. Mundo afora o que temos do projeto são fotografias, vídeos amadores e trailers no You Tube, a trilha sonora em CD, depoimentos, documentários de televisão e de rádio, e agora este All Together Now. Continuam nos devendo um lançamento que exiba 'LOVE' na íntegra.


A situação é bizarra, mas pode ser compreendida pelo aspecto financeiro. 180 milhões de dólares foram investidos para viabilizar a produção. O teatro Mirage, em Las Vegas, foi escolhido para sediar o evento porque é a maior, mais moderna e mais luxuosa casa de espetáculos do mundo. O aluguel do teatro fechado custa cinco milhões de dólares por mês. A construção do impressionante espaço que se divide em três imponentes edifícios interligados custou cem milhões de dólares. Então é possível que os planos para 'LOVE' sejam de longo prazo por tudo que envolveu: arregimentação de elenco, ensaios (foram cinco meses árduos de trabalho em Montreal, etapa em que ninguém entendia exatamente o que iria fazer no palco) demoradas negociações com as viúvas de George Harrison & John Lennon, a mobilização de um exército de pessoas que criaram as luzes, o figurino, a ambientação e toda a estrutura que desfila diante dos olhos do público por noventa minutos de pura magia, ligando simultaneamente os sentidos da visão e da audição. Então 'LOVE' é sim um projeto de longo prazo, que um dia quem sabe poderá excursionar pelo planeta, chegar para todos os públicos, e só depois virar um DVD. Será?

Bom que se registre: 'LOVE' ainda não foi encenado na terra natal dos Beatles, o Reino Unido. Podia ter entrado na programação dos 800 anos de Liverpool já que a cidade foi eleita capital anual da cultura européia em 2008. Num país como o Brasil, por exemplo, qual casa de espetáculos reuniria condições de abrigá-lo? O Anhembi em São Paulo, talvez. Ou o projeto seria levado para algum estádio de futebol? E lá como seria tratada a 'sonorização'? O som do evento foi um dos problemas mais difíceis de equacionar como bem revela o documentário All Together Now. Alto falantes foram espalhados por toda parte, inclusive debaixo das cadeiras, criando a ilusão de um som espacial, envolvendo o expectador com o espetáculo. Como 'capturar' essa emoção através da magia do cinema ou do vídeo doméstico? Só o tempo dirá.


E não é só. De que forma exatamente as canções dos Fab Four foram encaixadas em danças, acrobacias, mímica, encenações e outros atos de um picadeiro? As vozes dos rapazes, extraídas das fitas das sessões de gravação também participam do espetáculo como se John, Paul, George & Ringo estivessem lá. All Together Now mostra um pouco de tudo, mas só dá uma idéia de como a coisa funciona. O DVD também exibe passagens saborosas, com destaque para os momentos em que Paul McCartney e Ringo Starr revelam não ter entendido nada num primeiro momento, quando foram chamados a conhecer a pré-produção. Também é revelador da emoção de George Martin, orgulhoso de envolver-se com a sonorização do evento apoiado pelo filho Giles. Chama atenção ainda a dura reprimenda que o produtor Dominique Champagne recebe de Yoko Ono durante uma das pré-exibições. Ela se indignou com o tratamento sensual dado a encenação para Come Together. “Você não entendeu? É uma canção política, não sexual. Isso tem de ser mudado”, exigiu. E foi atendida, naturalmente.


O diretor David Mallet e sua equipe gravaram várias exibições do espetáculo em Las Vegas, mas não há informações se a ação foi registrada com propósitos de lançamento futuro. No documentário somos 'atiçados' pelas imagens, mas elas são propositalmente breves, entremeadas pelos depoimentos, e o que fica no ar é a impressão de que a idéia é essa mesmo. Vai ver que é porque espetáculos circenses foram feitos para serem apreciados 'in loco', não de soslaio na poltrona da sala de estar.

Não pensem, todavia, que All Together Now não merece ser visto. Pelo contrário. Ele é essencial na busca de se compreender melhor a dimensão do que 'LOVE' o Espetáculo é, e representa. Também serve para expor nas entrelinhas que o trabalho foi o último dos 'threetles' após o projeto Anthology. Se foi o idealizador de tudo, George Harrison não viveu para ver e ouvir o resultado final, o que indubitavelmente causa uma sensação de melancolia que o documentário não disfarça. É possível que com o passar dos anos esse DVD se torne o mais valioso registro da produção dos Beatles que não parece ter sido concebida para o mundo todo ver.

CLAUDIOTERAN ccsteran@yahoo.com.br













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