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The US vs John Lennon


Por Cláudio Teran


Dirigido por David Leaf e John Scheinfeld este documentário chegou aos cinemas mundiais em 2006. Foi lançado logo depois em DVD e teve sua trilha sonora editada em CD. Nós brasileiros só tivemos direito ao álbum com as canções. É incompreensível o não-lançamento dessa produção no Brasil. A edição importada não inclui legendas eletrônicas em português, mas a cópia pirata que me chegou às mãos (thanks Joelma Vieira) resolve (bem) o problema. Foi possível finalmente assistir um relevante documentário político que funciona como um recorte quase cirúrgico da vida e do ativismo de Lennon entre 1966 & 1976. Certamente não foi nada fácil produzi-lo, e reside na dinâmica da produção a maior virtude deste trabalho.

A direção segura e a tarimba de David Leaf fazem a diferença em termos de 'amarração' das imagens, dando ao expectador a possibilidade de compreender um pouco melhor qual foi o papel de um ex-beatle junto ao extremismo da política norte-americana. De um lado os agitadores profissionais. Abbie Hoffman e Jerry Rubin enxergavam em Lennon o perfeito porta-voz para dar dimensão às causas que eles, antes, defendiam quase como anônimos.


Para o 'guitarra-base' da maior banda de rock de todos os tempos o que o movia era um ideal de engajamento e romantismo. John achava que tinha de fazer alguma coisa contra a guerra do Vietnã e se jogou de cabeça com seu prestígio, usando a música como bandeira. "Se eu fiz o mundo inteiro cantar 'Eu Quero Segurar a Sua Mão', por que não posso fazê-los entoar 'Dêem uma Chance a Paz'?", afirmou, no final dos anos 60, consciente do que podia fazer para capitalizar politicamente, a força do nome e da imagem dos Beatles. Mas se engana quem pensa que John Lennon tinha pretensões na política como David Seale, dos Panteras Negras; ou Jerry Rubin e Abbie Hoffman, integrantes dos Sete de Chicago. Não. John era um idealista como poucos no seu mister.

Artistas podem fazer muito bem seu papel se resumindo à arte. John foi muito mais além, tanto que 'cutucou' o extremismo de direita comandado por Richard Nixon. Foi perseguido, vigiado pelo FBI, e teve os telefonemas e os passos monitorados. O serviço secreto observou que um homem famoso como Lennon, estava contribuindo demais para dar voz e vez ao extremismo 'anti-guerra'. Como não era o caso eliminá-lo, imperioso se fazia deportá-lo. "Se o sujeito come, bebe e se beneficia de tudo o que a América oferece de bom, e ainda assim quer sabotá-la, não pode permanecer entre nós", diz um histórico documento produzido por agentes do FBI que acompanhavam passo a passo os pronunciamentos, as entrevistas, as letras das canções e a movimentação do ex-beatle com os 'subversivos'.

Discretamente o filme mostra um Richard Nixon muito semelhante a George W. Bush. E permite ao expectador se perguntar: se os EUA passaram por um Nixon, porque repetiram o erro com o atual Presidente norte-americano? Nixon perdeu o cargo, abatido pelo escândalo de Watergate. Bush foi golpeado pelo 11 de Setembro, tragédia que acabou servindo para justificar num primeiro momento, seus atos bárbaros. A mover os dois a mesma paranóia de que os EUA são a polícia do mundo, o mesmo imperialismo para dar cabo de qualquer um que ouse interpor-se em seu caminho. O gosto pelas guerras que os tornou tiranos à custa do sangue de jovens soldados americanos e das muitas vítimas anônimas que a nação mais poderosa do planeta vem fazendo ao longo da história. Melhor só se Michael Moore tivesse assumido a direção do documentário.

The US Vs. John Lennon tem também alguns pecados. Quando Yoko Ono aparece temos a impressão de estar vendo o filme Imagine. Pode parecer implicância de minha parte, mas produzir um documentário 'isento' sobre Lennon - ainda que seja um recorte de seu ativismo - com ela por perto é bem difícil. A direção priorizou o aspecto político e, a meu ver, esqueceu de dimensionar melhor o papel da música de John em todo o processo. O polêmico álbum Some Time in New York City em cuja capa Richard Nixon aparece dançando nu com Mao Tse Tung em uma montagem, não é sequer mencionado quando sabemos que foi um dos ingredientes que acendeu o sinal de alerta contra o beatle por parte do governo norte-americano. Goste-se ou não, Lennon 'falou' bastante da política norte-americana através de suas canções na primeira metade dos anos 70 e o documentário passa quase ao largo desses fatos. As músicas estão lá como 'pano de fundo', e somente em raros instantes ganham o primeiro plano. Uma das exceções, o Ann Arbor Freedom Rally realizado em Michigan, ocasião na qual John Lennon cantou pela libertação de John Sinclair, é mostrado timidamente, quando podia ter entrado por inteiro.


Os depoimentos de personalidades que sobreviveram para contar a história também são curiosos. David Seale era tido como um agitador perigoso quando liderava os Panteras Negras. Hoje se parece com um avô pacato. John Sinclair segue pela mesma trilha, assim como Angela Davis, que foi presa, torturada, e ganhou uma música com seu nome cantada por John & Yoko. O filme não mostra a 'desconstrução' de Abbie Hoffman e Jerry Rubin, nem explica que os dois são falecidos. Hoffman suicidou-se em 1989. Rubin era um sossegado investidor do mercado de computadores quando foi atropelado e morto em 1994.

Por outro lado acerta em cheio ao mostrar agentes do FBI arrependidos de atuar na perseguição a Lennon. E homens de confiança de Nixon que se limitam a explicar os porquês da vigilância e da necessidade de deportação do ex-beatle, sem proselitismo, sem demagogia, como se ainda acreditassem que o certo mesmo era ter mandado John de volta para a Inglaterra.

Também não há imagens dos dois One to One Concert, eventos que embora não diretamente organizados para 'bater' na política bélica dos Estados Unidos, funcionaram como históricos manifestos pacifistas. Esses 'pecados', entretanto, não atrapalham o expectador de observar a coragem e o desapego que John Lennon teve em pôr quase de lado sua carreira e seus interesses musicais para engajar-se numa causa por puro ideal contra um inimigo muito mais poderoso. A vitória dele ao permanecer num país que amava e que escolheu para viver, até fica em segundo plano se procurarmos enxergar o filme pelo ângulo do comentário final do escritor Gore Vidal, antes dos créditos, quando lembra ao expectador que no país que Nixon governou existia alguém com o peso, a fama, a ousadia e o prestígio de um John Lennon para cutucar. No de Bush, nem isso...









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