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Lúcia McCartney,
de Rubem Fonseca

Muitos fãs dos Beatles devem ficar curiosos para saber do que se trata uma obra intitulada Lucia McCartney, do enigmático escritor mineiro Rubem Fonseca. Nada mais do que um livro lançado em 1969, que virou peça teatral e dois filmes. Considerada uma obra cult, foi elogiada por público e crítica. Mas não tem nada a ver com Paul McCartney ou Beatles, de fato. É um livro de contos, num deles de uma personagem chamada Lúcia McCartney. Ela é uma prostituta que usa o sobrenome do então beatle porque simplesmente "gosta" de Lennon & McCartney. Mas poderia ser Beethoven ou (Fernando) Pessoa, porque ela diz, no livro, gostar muito de música e poesia.

Quem gosta, ou pelo menos gostava dos Beatles era seu criador, Rubem Fonseca. O escritor é totalmente avesso a entrevistas, parece que nunca deu nenhuma. Por ocasião do lançamento de Lúcia McCartney, sua filha adolescente Maria Beatriz chegou a dizer que seu pai era um "tarado pelos Beatles", talvez o que justifique um nome tão marcante para o livro.

Na história fictícia, a personagem Lúcia McCartney, uma garota de programa de "alto luxo" que trabalha para uma agência que atende executivos, se apaixona por um cliente, um empresário paulista. O amor não correspondido define o fio narrativo da história.

O restante dos contos retrata temas sobre a solidão e a violência. O estilo é seco e a linguagem, trabalhada em monólogos interrompidos por interjeições e pedaços de entrevistas.

Por Lúcia Camargo
(também conhecida por Lúcia McCatney - nada a ver com o livro, claro!)



Rubem Fonseca
O homem não é nada fácil

Uma pesquisa em artigos publicados em jornais brasileiros e estrangeiros, a partir de 1969 — quando José Rubem Fonseca virou notícia vencendo, aos 44 anos, o concurso literário do Governo do Estado do Paraná — revela que o escritor tem mantido a frustração da imprensa em regime de engorda. Muitas resenhas e críticas literárias. Entrevista, que é bom, nenhuma. "Tudo o que eu tenho a dizer está nos meus livros." Esta frase vem-se repetindo há 18 anos sempre que ele lança um livro, e cai com uma ducha fria sobre a aguçada curiosidade de editores e repórteres. Da maldita frase não escaparam nem mesmo os jornalistas Zuenir Ventura e Sérgio Augusto — que assinaram as reportagens mais instigantes sobre o autor mas que, por serem seus amigos e fiéis escudeiros, náo chegaram a quebrar o primeiro mandamento de respeito à privacidade do artista. Não cometeram indiscrições. Antes, alimentaram o mito. Entre uma e outra informação impressa, no entanto, vai-se traçando um curioso perfil. Enquanto ele não aparece para desmentir...

Uma das raríssimas fotos liberadas por Rubem Fonseca para a imprensa José Rubem Fonseca nasceu em Juiz de Fora, em 11 de maio de 1925. Taurino com ascendente em Peixes. Há 33 anos está casado com Thea, com quem teve três filhos: Maria Beatriz, 32, José Alberto, 30, e José Henrique, 23. Já vendeu gravatas, foi oficial de cavalaria, comissário de polícia, formou-se em Direito no Rio e em Administração de Empresas nos Estados Unidos, foi diretor da Light e fundador e presidente da extinta RioArte. Cometeu o deslize de fazer parte do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais acreditando "nas boas intenções" do órgão que reuniu gente envolvida com a derrubada do governo João Goulart. Ele não gosta nem de lembrar do fato. Em 76, seu livro Feliz Ano Novo foi proibido pelo Ministro da Justiça Armando Falcão e apreendido sob acusação de atentado à moral e aos bons costumes. O autor entrou com uma ação contra a União, um ano depois, mas a liberação só veio no ano passado, com a interferência do então Ministro Fernando Lyra. Rubem Fonseca já tem publicados nove livros e computados alguns prêmios. Mas o que escapa a esta biografia "oficial" não é menos movimentado.

"Rubem Fonseca não gosta de gente gorda. Por isso, não faz questão de que seus filhos comam demais", concluiu o Jornal da Tarde, em 1969, depois de ouvir os filhos dele. De fato, o escritor cultua a forma física e já malhava em academias de ginástica muito antes da coisa virar moda. Chegou a manter em sua sala na diretoria da Light uma barra para exercícios e costumava subir os nove andares do prédio pela escada. Além disso, praticava vôlei e natação. Nos tempos de maior pique cobria a braçadas o percurso do Morro da Viúva à Praça 15. Atualmente anda de bicicleta e corre de manhã pelas areias do Leblon. Tem o hábito de escorar as árvores mais frágeis da beira-mar.

Zé Rubem, como é chamado na intimidade, até pelo amigo Zé Sarney, lê em média um livro por dia. Adora ficção científica e sempre encomenda aos amigos de Nova Iorque as últimas novidades do gênero. Sófocles, em inglês, na tradução de Fitzgeraíd, já foi dos seus livros prediletos. É um conhecedor da literatura americana; Para escrever, tinha o hábito de se trancar no escritório com os discos da filha na vitrola: The Supremes, Mobey Grabes, The Roíling Stones, The Beatles. "Meu pai é tarado pêlos Beatles". confidenciava a adolescente Maria Beatriz, em julho de 69. Ainda hoje o rock está entre seus hits. Cinéfilo (foi o primeiro crítico de cinema da Veja), exigente, Zé Rubem não escondeu sua má vontade com La Dolce Vita e Derzu Uzala, que ele definiu para um amigo como 'O Pequeno Príncipe' do cinema japonês.

Vascaíno, Rubem Fonseca atende sem hesitar aos apelos do sangue luso. Bacalhau com bróco-lis, vinhos portugueses e uma bagaceira. Concessão ao charuto cubano Panatella. Aliás, concessão a Cuba — país que conseguiu dele uma entrevista para rádio e jornal. Torcedor do Império Serrano, era assíduo frequentador dos desfiles das escolas de samba. "Rubem adora samba. Não consegue escutar sem fazer uma batucada ou sair dançando pela casa", exagerou um jornal paulista. Mas não exagera quem diz que ele é um obsessivo. Para escrever o conto A Caminho de Assunção, devorou 10 livros sobre a Guerra do Paraguai. Para criar o clima de Feliz Ano Novo, passou o Natal de 74 numa favela. Lutou boxe para entender os golpes. E tornou-se um especialista em armas brancas para escrever A Grande Arte. Um dos artifícios a que os jornalistas recorrem para entrar na alma do escritor é compará-lo a seus personagens, considerados verdadeiros alteregos.








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