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Ringo Rama
Uma Boa História de Baterista com Carreira-Solo Formal



Claudio Teran e Vladimir Araújo
13 de fevereiro de 2003

Dentro de aproximadamente um mês e meio, um novo disco do eterno baterista dos Beatles, Ringo Starr, vai ser lançado. Chama-se Ringo Rama. Por obra e graça da distribuição de advanced copies para apreciação de uns poucos privilegiados, um exemplar do disco caiu às nossas mãos há uma semana.

Ringo Rama é o décimo oitavo trabalho de Mr. Richard Starkey. Certo, ele não é Sir, como Paul McCartney. Nem é tratado pelo mundo com a mesma reverência dispensada a John Lennon e George Harrison. Mas integrou o maior grupo de todos os tempos na história do Rock'n'Roll. E isto por si só é muita coisa. Aos 62 anos de idade, Ringo Starr ainda é alvo de discussões estéreis do tipo, "nunca foi um grande baterista". Ou, "sua bateria excessivamente econômica poderia ter sido feita de forma competente por qualquer outro". Aí passamos à lenda do ovo de Colombo. O que é fato, é que Ringo Starr é praticamente um caso único na música popular - baterista com carreira-solo formal! Tem 18 trabalhos lançados após os Beatles e desde 1989 criou coragem para encarar turnês bem sucedidas à bordo da All-Starr Band, uma grande sacada onde junta-se a grandes estrelas do vintage rock, e com elas divide o palco, os holofotes e a atenção do público.

Nessa situação, Ringo só não deu as caras na América do Sul por ignorância e desconhecimento dos nossos promoters! Perdemos formações memoráveis da All-Starr Band, já que Ringo se apresentou nos últimos dez anos pelo mundo ao lado de feras como Jack Bruce, Peter Frampton, Gary Brooker, Jim Keltner, Dr. John, Roger Hodgson, Joe Walsh, John Entwhistle, Todd Rundgren, Levon Helm, e diversos outros.

O novo álbum é um de seus trabalhos mais vigorosos. Gravado entre o estúdio particular de Ringo em Londres e um sótão em Los Angeles onde se situa o estúdio do produtor Mark Hudson. A coesa banda de apoio com Ringo na bateria inclui nomes como Gary Burr, Dean Grakal, Steve Dudas, Jim Cox, Gary Nicholson e o próprio produtor Mark Hudson - figuras familiares para Ringo Starr, por que o acompanharam noutras ocasiões, como na efêmera banda The Roundheads, e nos álbuns I Wanna be Santa Klaus, e Vertical Man. O resultado da gravação é vibrante, algo sujo e por assim dizer, "suado". Suado mesmo, já que - palavras de Ringo Starr - num estúdio ou em qualquer lugar, a convivência com um grupo de músicos começa a tornar-se prazerosa quando todos estão no mesmo ritmo, inclusive suando juntos.

O mundo do Rock'n'Roll sempre foi povoado de mitos e conceitos pré-estabelecidos que, de certa forma, nortearam de maneira equivocada os predicados dos músicos que realmente construíram a identidade desse estilo. De repente o cara que toca um solo de guitarra interminável usando um pedal ultra moderno é tratado como soberano em relação ao guitarrista de acordes. No fundo do palco, o baterista que passa cinco minutos fazendo um solo é sobreposto àquele que acompanha magistralmente sua banda. Porém, "quem há de negar que este lhe é superior"? O caso do baterista dos Beatles cai como uma luva no que acabamos de dizer. Preciso, hábil e extremamente técnico, criou para o grupo uma sonoridade ímpar, que certa vez fez John Lennon dizer: "se começo a criar alguma coisa, Ringo sabe exatamente aonde quero ir".

Com seu estilo próprio, fez com que fosse dada mais importância ao modo como se afinava uma bateria, amortecendo o som dos tambores e subvertendo a forma como eram tocados os compassos compostos. Canhoto e tocando uma bateria para destros, Ringo Starr reinventou ao longo de sua carreira um novo estilo de tocar bateria. Até a apresentação dos Beatles em 1964 no programa do americano Ed Sullivan, ninguém prestava muita atenção no baterista. Naquele dia, Ringo iniciaria uma novo ciclo para o Rock ao sugerir que fosse colocada uma plataforma onde o baterista pudesse ter tanto destaque quanto os outros músicos. Em seu novo disco talvez o que mais chame a atenção seja a força e vitalidade com que se dedica a seu estilo em faixas que primam pelo alto astral, todas marcadas por seu modo inconfundível de tocar e, mais uma vez, sem solos de bateria.

Sem dúvida nenhuma, um disco para se ouvir bem alto. E Ringo Rama, o CD, nos passa exatamente esse clima logo na primeira faixa, "Eye to Eye" - que surpreende pelo peso e a mixagem da bateria. Mark Hudson, o produtor, deixa transparecer o quanto é fã do baterista dos Beatles a partir do trabalho de mixagem. Quando Ringo toca, ouve-se a bateria de maneira muito clara. Cada instrumento do seu kit Ludwig é captado com nitidez. A precisão no tempo - coisa de relógio suíço - é a mesma de sempre. Em bom português, Ringo Starr sexagenário dá show de "munheca" em muito baterista jovem e afoito. O clima "pesado" do álbum tem na faixa "Instant Amnesia" seu ponto máximo.Trata-se de uma composição capaz de misturar hard rock com jazz, e daí ao fox trot num clima hipnótico - algo surpreendente. É um dos grandes momentos do disco.

A faixa de trabalho, "Never Without You", é comovente. Uma rock ballad em homenagem a George Harrison, com letra cheia de citações de momentos clássicos do trabalho do beatle falecido em 2001. "Chamei Eric Clapton para fazer a guitarra-solo porque George amava Eric, e ele amava George", diz Ringo Starr no press release distribuído à imprensa mundial pela Koch Records, o selo de Ringo Rama. Não dá para chamar a homenagem de oportunismo. Ringo e George sempre mantiveram laços estreitos, inclusive depois dos Beatles. Um sempre colaborou com o outro nas respectivas carreiras-solo. Em "Write One For Me", Ringo mantém-se fiel à country music americana, dividindo os vocais com um mestre do gênero, o lendário Willie Nelson. Outro que comparece de maneira brilhante no disco é David Gilmour. Sua guitarra inconfundível marca o arranjo da mordaz "Missouri Loves Company", e da poderosa "I Think Therefore I Rock'n'Roll", um rockão à moda antiga. Todavia, a faixa mais tocante do álbum, candidata a clássico na carreira-solo de Ringo Starr, é "Imagine Me There", com seu delicado arranjo de cordas que inclui arpas, violinos e cellos.

Outra das críticas contumazes a Ringo Starr é quanto ao seu vocal - reconheça-se - limitado. A questão passa quase despercebida pela competência dos arranjos das canções, e a maneira aplicada com a qual Ringo se entrega ao cantar e tocar. Melhor só mesmo se John Lennon e Paul McCartney estivessem no estúdio para ajuda-lo passo a passo como fizeram na histórica sessão de Sgt.Peppers em 1967, quando aprontaram With a Little Help From my Friends. Ringo Rama ainda nos reserva outras surpresas, como uma estranha faixa bônus ("I Really Love Her") onde o baterista dos Beatles deu-se a um luxo inédito em toda a carreira - é ele quem canta e toca todos os instrumentos! Há também "English Garden", onde o ex-beatle destila um tremendo intimismo na letra que fala da esposa Bárbara, das coisas simples da vida, e até do cachorro Buster.

Outro bom momento é traduzido pela faixa "Elizabeth Reigns", uma composição trabalhada em Londres, na mesma tarde em que alguns dos maiores luminares do Rock'n'Roll e da canção popular se apresentavam no Palácio de Buckingham em homenagem ao Jubileu de Elizabeth Segunda. Paul Mc Cartney estava lá, tocou sete músicas e teve direito até de fazer piadinhas com a Rainha. Ringo Starr estranhamente não foi chamado. Mas aproveitou o momento do Jubileu da soberana inglesa para homenageá-la numa canção onde também destila sua fina ironia britânica, apoiado novamente pela guitarra de Eric Clapton. É de estranhar que Ringo Starr não tenha sido chamado para a festa do Jubileu da Rainha. Mas não chega a ser algo incomum em se tratando dele. Afinal, embora seja provavelmente o mais bem sucedido baterista do mundo, com carreira-solo formal, 18 discos lançados, e capaz de enfrentar turnês mundiais como vem fazendo há dez anos, ele ainda é questionado em sua competência! O mundo ainda acha que Ringo é apenas um baterista de sorte. Muita sorte. Talvez por conta disso, seu novo trabalho-solo deixe de merecer a atenção devida. O lançamento acontecerá nos Estados Unidos e Europa, dia 25 de março. No Brasil, só Deus sabe...



Ringo comenta algumas das faixas

Eye to Eye - há uma guerra chegando e passamos a idéia de que queremos uma guerra mas, de amor. Sei que é fácil falar mas temos de tentar fazer o máximo, cara a cara e assim tornar o mundo um lugar melhor.

Never Without You - é minha maneira de dizer o quanto George significou para mim e o quanto será lembrado.

Missouri Loves Company - queria que soasse como um tipo de viagem ao redor da América.

I Think Therefore I Rock'n Roll - é sobre o Rock, sobre o blues, enfim, sobre música.

I Really Love Her- só uma vez na vida quis fazer algo sozinho. Estava sempre rodeado de amigos me ajudando, então pensei : OK, vou fazer tudo. Foi muito divertido pra mim.

Write One for Me - trabalhei a distância com Willie Nelson nessa faixa, pois ele estava em turnê. Mas nos encontramos algumas vezes. Ele é sensacional.

Elizabeth Reigns - fizemos no dia do Concerto para a Rainha. Elizabeth é a última dos "grandes " e, como diz uma canção, " nós realmente não precisamos de reis".

Alinhamento:

01. Eye To Eye
02. Missouri Loves Company
03. Instant Amnesia (com David Gilmour)
04. Memphis In Your Mind
05. Never Without You (com Eric Clapton)
06. Imagine Me There (com Charlie Haden)
07. I Think, Therefore I Rock 'N' Roll (com David Gilmour)
08. Trippin On My Own Tears (com Shawn Colvin)
09. Write One For Me (com Willie Nelson)
10. What Love Wants To Be
11. Love First
12. Elizabeth Reigns (com Van Dyke Parks)
13. English Garden/ I Really Love Her

Serviço:

RINGO RAMA - Novo CD do ex-beatle Ringo Starr com lançamento previsto para 25 de março nos EUA e Europa. Participações especiais: David Gilmour, Timothy B. Smith, Willie Nelson, Eric Clapton, Van Dyke Parks, Shawn Colvin e Charlie Haden.
Produtor: Mark Hudson.
Selo: Koch Records.
Encarte com as letras









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