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Reviews
A difícil e prazerosa missão de ver Paul McCartney
Sem expectativas de sua volta ao Brasil, fui a Boston conferir a turnê que percorrerá vários estados americanos até o final de novembro. E o velho Macca surpreende: está em forma, como nunca
Por Lúcia Camargo Nunes
Boston, EUA - Ir a um show de rock já dá muito trabalho. No mínimo enfrentar longas filas, controlar a ansiedade e ficar horas em pé. Imagine então viajar para longe, muito longe, para ver de perto o ídolo. Só sendo muito fã. Acompanho a carreira de Paul McCartney ha pelo menos 23 anos e não perdi a chance de vê-lo todas as vezes que esteve no Brasil, foram quatro shows. Com um disco recém-lançado e sem expectativas de que ele volte para cá tão cedo, resolvi encarar o desafio de conferir a nova turnê nos EUA, com ingressos comprados pela internet com cinco meses de antecedência. Demorou, mas de repente aquele dia tão esperado chegou.
Tudo muito bem organizado, com lugares demarcados e casa cheia. O pequeno estádio TD Banknorth Garden lotado acomoda cerca de 18 mil pessoas. Fico na segunda seção de cadeiras da pista, o melhor lugar que encontrei. O DJ Hellraiser tenta divertir o público antes do show tocando e sampleando velhos sucessos, o som aumenta e o ambiente vai ficando mais quente. As luzes se apagam e começa um filme de dez minutos narrado pelo próprio Paul. Quando John Lennon aparece no vídeo há uma gritaria. O mesmo acontece quando surge George Harrison. As imagens vão ficando mais rápidas e frenéticas até a cortina se abrir e todos se levantarem.
E lá esta ele, Sir Paul McCartney, um senhor de 63 anos com jeito de garotão. O show começa com a sugestiva Magical Mystery Tour, dos Beatles, um convite da "mágica viagem" que seria vista em 2 horas e 45 minutos de espetáculo. "Olá Boston! Sinto que vamos nos divertir bastante hoje", Macca saúda o público. O binóculo ajuda a não perder nenhum detalhe. Calça jeans, blazer preto, camiseta azul. Com seu velho contrabaixo Hofner vai embalando a platéia com Jet, Drive My Car e Till There Was You. O que mais impressiona, além de sua disposição, é vê-lo completamente à vontade no palco. Cada música tem uma história, uma piada.
Até do tombo que levou na semana passada, na Flórida: quando havia terminado de tocar Got To Get You Into My Life, ele não percebeu que havia ficado um vão onde o piano subiria e caiu num buraco de 1,5 metro, levantando-se rapidamente e dando continuidade ao show. Em Boston, ele conta que machucou o braço e as costas. "Na hora do tombo só pensava em câmera lenta qual seria a profundidade, 1,5 metro ou 15 metros. Mas foi tudo bem. Já pedi à produção para colocar um aviso de 'mind the gap', brinca, referindo-se ao famoso aviso que há no metrô de Londres sobre o vão que fica entre a plataforma e os trens.
No grande piano ele tocou a nova Fine Line e sucessos como Maybe I'm Amazed e The Long And Winding Road. Nessa hora, a banda sai do palco e Paul fica sozinho. "Usei este violão na apresentação do Ed Sullivan Show em 64" comenta e a platéia vem abaixo, lembrando o famoso programa de TV no qual os Beatles se mostraram para os EUA. Nesse set acústico, ele diz que está em sua sala de estar. "Apenas eu e vocês, nós", brincando com o nome da turnê US (que pode ser de Estados Unidos ou nós, em inglês).
No meio de I Will ele esquece a letra e para tudo. Faz cara de bravo e culpa o público: diz que errou por causa daquele monte de faixas que os fãs mostram, algo que já virou marca registrada em seus shows. "Não consigo me lembrar dos acordes, das letras e ler as faixas ao mesmo tempo. Meu cérebro diz 'não leia o cartaz', mas eu não consigo e tento ler as faixas", diz gargalhando. E volta ao trecho da música, sempre muito bem humorado, interagindo com a platéia. No piano, entre outras, toca English Tea, a mais 'Beatles' de seu novo CD, Caos and Creation at the Backyard, que já chegou em sexto na lista dos mais vendidos da Billboard.
Dedica Blackbird a John Lennon, George Harrison e Linda McCartney, sua companheira de mais de 30 anos, falecida em 98. Muitos aplausos e ele se mostra visivelmente emocionado. Demora para voltar ao microfone e dedilha sem muito sucesso um trecho de uma música de Bach, dizendo que se inspirou nela para fazer Blackbird. Duas, três vezes, ele erra e fica irritado. Arranca gargalhadas da platéia e tenta de novo. Acerta e mais aplausos. E inicia Blackbird.
O show vai crescendo, ficando mais animado, com sucessos de Beatles e carreira solo. Uma homenagem ao Wings, sua banda dos anos 70 com a desconhecida Too Many People, e a Irene Collins, a primeira mulher da Nasa a comandar um ônibus espacial, que voltou à Terra ao som de Good Day Sunshine. Hey Jude e Live And Let Die fecham a noite em alto estilo.
No primeiro bis, Yesterday, Get Back e a estranha Helter Skelter. No segundo, Please Please Me, Let it Be (ele acende uma vela em cima do piano psicodélico, esta é a única música que ele toca com o pequeno piano), Sgt. Peppers e The End. A banda se despede, emocionada.
Os músicos saem e Paul permanece, acena, sorri, joga beijos. Parece que não quer sair do palco. Pára em frente à platéia. É incrível, mas pega três, quatro cartazes e capas de discos e autografa um a um, calmamente. Acena, vai ao microfone e diz "Vejo vocês da próxima vez", e se vai.
Demoro para sair do estádio, extasiada, cansada, rouca, dolorida. Mas com a certeza de aquele era um momento único e mágico. Uma real Magical Mystery Tour.
Curiosidades da US Tour
que só quem estava lá viu
1 - Antes de o show começar, por volta de 19h45, um susto dos grandes. Uma forte explosão, de bomba mesmo, veio do palco e pensei que poderia ser um atentado. Como não houve nenhum tumulto, imaginei que fossem problemas nas bombas de Live and Let Die. E foi o que ocorreu, segundo relatou um bombeiro: uma das bombas explodiu acidentalmente e ninguém se machucou.
2 - Muitos trabalhos paralelos de Paul McCartney podem ser conferidos antes do grande show. Enquanto o público espera, são tocadas músicas ambiente, como Celebration (do álbum Standing Stone) e Maybe I'm Amazed (em versão clássica de Working Classical), tendo no telão do estádio a exibição de pinturas feitas por Paul.
3 - Em seguida, o DJ Hellraiser toca de uma forma bastante diferente as músicas de Paul, mixando e repetindo trechos. E vai esquentando o ambiente.
4 - Durante o filme que antecede o show é notável a ausência da figura de Linda McCartney, que é até cortada do vídeo. Paul, por sua vez, aparece sempre mais jovem e esbelto em várias cenas na praia, em imagens raríssimas.
5 - A banda é composta por músicos bem mais novos e está com Paul desde 2002. Brian Ray (baixo e guitarra), Rusty Anderson (guitarra), Abe Laboriel Jr. (baterista) e Paul Wix Wickens (teclados) mandam muito bem.
6 - Na platéia, muitas famílias são fãs em suas três gerações. Paul brinca: "Alguém me disse que sua avó me viu no Shea Stadium", referindo-se ao famoso show dos Beatles em Nova York, em agosto de 65.
7 - Câmeras e filmadoras são proibidas, mas em tempos modernos alguns fãs arriscam registrar o momento com seus celulares.
8 - De visual despojado, Paul tenta manter um jeito de garotão. Durante o show, sacode seus cabelos pintados e agora curtos. E toda vez que troca o baixo pela guitarra ou violão aproveita para puxar a folgada calça, como se fosse um tique nervoso.
9 - Paul não bebe nada durante o show todo, pelo menos até o primeiro bis. Haja voz!
10 - Paul tinha 25 anos quando cantou "Quando eu ficar velho, perder meus cabelos, daqui a muito tempo" na letra que se referia quando tivesse 64 anos (When I'm sixty four", do álbum Sgt. Peppers, dos Beatles, de 1967). Ele não imaginava que aos 63, casado pela segunda vez e pai recente (ele tem uma filha de dois anos com sua atual mulher, Heather Mills), estaria fazendo um rock'n'roll de primeira. Recentemente disse a um jornal inglês que ano que vem mudará a letra. "Em vez de 64, vou dizer 'Quando eu tiver 84', porque chegando aqui, aos 64, não me sinto velho".
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Antes do grande espetáculo, um show à parte
Em volta do local do show, o TD Banknorth Garden, uma espécie de estádio dentro de um prédio, logo se notava a movimentação de fãs, ainda cedo. Eu havia me informado pela internet sobre os shows anteriores (a turnê começou dia 16/9) e descobri que ele chegava por volta das 17h30 para fazer a passagem de som com a banda. Fãs vestidos com as roupas do Sgt. Pepper's e outra maioria com camisetas do ídolo esperavam vê-lo numa entrada onde ficam os caminhões que levam os equipamentos da turnê. Mas parecia meio óbvio ficar ali.
Com um pouco de sorte e paciência escolhi uma outra entre tantas entradas de serviço. Alguns fãs segurando faixas e apenas um policial. Aos poucos, mais policiais e veio a certeza de que aquele era o lugar mesmo: um dos "sombras" de Paul, o segurança da turnê Brian Riddle, velho conhecido meu de shows do Brasil, estava ali. Mais alguns minutos e lá estava ele: Paul chega as 17h40 em meio a batedores da polícia e muita segurança no banco de trás de um Lexus preto, abre o vidro e saúda os fãs, sorridente. São apenas segundos, suficientes para tornarem aqueles instantes inesquecíveis.
Paul McCartney no banco de trás de um Lexus chega acenando aos fãs em umas das entradas de serviço do TD Northbank Garden, em Boston, às 17:40h de 27/9/2005. O carro estava cercado de seguranças, carros e batedores da polícia. Foto: Lúcia Camargo Nunes/AE
Fã aguarda Paul McCartney numa das entradas de serviço do TD Banknorth Garden, em 27/9/2005, com esta faixa que diz: "encero sua limusine para conseguir melhores ingressos", referindo-se ao alto preço para ficar nas primeiras fileiras do show. Apenas quem comprasse pacotes VIP (com direito a hotel e coquetel antes do show), que em Boston custavam US$ 1.600, conseguia os melhores lugares. Na pista, o ingresso custava US$ 250. Na mesma semana o U2 fazia show nesse mesmo local com ingressos pela metade do preço. Foto: Lucia Camargo Nunes/AE
Fã segura um baixo Hofner semelhante ao que Paul usa desde a época dos Beatles, na entrada de serviço onde ele chegaria minutos depois. 27/9/2005. Foto: Lucia Camargo Nunes/AE
Fã dá entrevista à TV da produção do Paul que fará documentário da turnê segurando um cartaz que mostra foto de seu filho, Paul, nome em homenagem ao ex-beatle. Ela esperava Paul chegar por uma das entradas de serviço do estadio TD Northbank Garden, em Boston (27/9/2005). Foto: Lucia Camargo Nunes/AE
27/9/2005 - Paul reuniu várias gerações em seu show. Na foto, Brian pai de 45 anos (que disse ter visto os Beatles ao vivo num show quando tinha 5 anos) e o filho Brian, de 12 anos, esperam na fila com cartaz referindo ao time de beisebol Boston Red Sox. Durante o show Paul recebeu um ursinho de pelúcia e mascote do time. Paul brincou várias vezes de ventríloquo e o colocou na frente do palco "para assistir o show". Foto: Lucia Camargo Nunes/AE
Próximo da entrada do TD Northbank Garden estava exposto o Lexus que será sorteado com a assinatura do Paul (quem quiser concorrer ao carro entra no site www.lexus.com). Na foto, eu poso perto do Lexus em exibição, pintado com detalhes do baixo Hofner e detalhe da assinatura dele.
Perto do local do concerto havia vários desses: os caminhões que levam os equipamentos de Macca. Foto: Lúcia Camargo Nunes/AE
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