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White Album ao Vivo!

Pela segunda vez, a o grupo carioca "Pepperband" levou o público ao delírio, interpretando o "White Album", ao vivo, na íntegra.


por Rafael Fracacio

Os mais distintos adjetivos existentes nos curtos vocabulários presentes nos mais diversos idiomas do planeta, de certo, não são a melhor forma de definir a música dos Beatles. Os rapazes de Liverpool, a cada disco lançado, conseguiram não apenas inovar seu estilo, mas também evoluir suas técnicas e seus talentos, mais rápido do que o processo de assimilação da tecnologia e do público de seu tempo.

Parece inacreditável que músicas como "Tomorrow Never Knows", ou "Yesterday" permaneçam tão atuais hoje quanto na época em que foram lançadas. Talvez, uma única palavra possa ser atribuída ao vasto conteúdo da obra dos Fab Four, e lhe fazer justiça: atemporal.

Sim, músicas compostas para durar, serem eternas... Esse fato é praticamente singular, somente sendo repetido por artistas tão grandiosos quanto eles, como Bob Dylan ou Elvis Presley.

Tão imortal tornou-se o repertório desses gênios da música que, mesmo depois de 30 anos desde a separação do conjunto, diversos outros músicos ainda se inspiram e se banham em sua inesgotável fonte de criatividade.

E essa mesma criatividade, cada vez maior, sempre rompendo com tudo já feito por eles ou outros artistas até então, foi a principal responsável pelo toque de frescor a cada música nova, a cada disco lançado, a cada acorde tocado...

A explosão desse espírito criativo pode ter iniciado com os toques psicodélicos em "Revolver", mudado a concepção da produção fonográfica, as propostas estéticas, ou as tendências culturais de uma geração inteira, com a elaboração meticulosa das estruturas harmônica, melódica, e estilística que resultou no revolucionário "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", etc. Mas, o verdadeiro ápice dessa criatividade se deu no momento em que, aos poucos, a banda começava a se desengatilhar... Lentamente, o conjunto que definiu por completo a forma de pensar e agir nos anos sessenta ia se separando - fato que só se consumou em 1970 - e ao mesmo tempo, registrando um dos álbuns mais fenomenais da história: "The Beatles".

O ano era 1968. Após o mega-sucesso de "Sgt. Pepper's" e o fracasso do tele-filme "Magical Mystery Tour", a trágica morte do empresário Brian Epstein, e uma temporada de autoconhecimento e reflexões psico-espirituais na Índia, os quatro músicos reuniram diversas de suas composições feitas durante esse período, para gravar um novo disco. Comumente conhecido como "White Album" (Álbum Branco), "The Beatles" era mais um ponto de virada na carreira do grupo, e mais uma contribuição para a música popular. Terminado a psicodelia, os Beatles desenvolveram um disco mais cru, mas não menos complexo que seus trabalhos anteriores. O resultado foi um álbum duplo, que agradou a muitos e gerou desgosto em outros. Independente das opiniões, uma questão é verdade: mais uma vez, o quarteto provou sua capacidade musical, intelectual, com um conteúdo eclético e conciso.

Infelizmente, nessa época, o conjunto já não mais realizava turnês e shows, e a obra nunca foi tocada ao vivo por eles... Por eles!!!

O legado dos Beatles é maior do que sua própria existência, ultrapassando a barreira de línguas, continentes, etnias, e idades... Gerações posteriores, em diversos países, das mais diversas culturas, ainda mantém viva as mensagens e as músicas da banda, com suas infinitas releituras, ou mais próximo ainda, suas covers. Artistas que não se envergonham de reproduzir as roupas, os cortes de cabelo, os instrumentos, as vozes e os trejeitos de seus ídolos, mesmo que, em muitos casos, esses mesmos artistas tenham nascido após a separação dos Beatles.

Há casos em que a principal preocupação é apenas reproduzir cada nota, cada compasso, cada erro presente nas gravações. Não imitando quem foram os Beatles, mas sendo totalmente com fidelidade, porém, sem submissão, aquilo que por eles foi deixado.

É nesse grupo que se enquadra a banda carioca "Pepperband". Uma banda pouco conhecida do grande público, mas que já se fez presente pela audácia, coragem, e melhor ainda, competência por reproduzir, minuciosamente, cada detalhe presente em absolutamente tudo o que foi gravado e lançado pelos Beatles.

Surgiu, então, uma proposta altamente difícil, de extrema periculosidade: reproduzir, ao vivo, o "White Álbum" na íntegra.

A primeira impressão que se tem é de que se trata de uma tarefa impossível, até porque muitas das faixas presentes no álbum, até hoje, nunca haviam sido tocadas ao vivo por ninguém. Só que estamos falando de "Pepperband", uma banda que obteve respeito por sua capacidade de tocar o impossível. Mesmo que para isso, fosse preciso tornar possível.

Na noite de 08 de maio de 2004, o público presente no Ballroom pôde conferir aquilo que já era esperado ansiosamente: uma interpretação fidedigna, impecável, e delirante.

Seguindo o alinhamento, à risca do disco, a "Pepper" (apelido pelo qual os fãs carinhosamente se referem ao conjunto), só contou com um único problema durante toda a noite: o operador da mesa de som, que insistiu em distribuir os instrumentos em estéreo nos P.A.s, atrapalhando a forma como a platéia ouvia o som.

Mesmo assim, nada foi capaz de estragar a qualidade insuperável da banda, que nesta noite, realizou uma interpretação superior a qualquer uma realizada pelos próprios Beatles, visto que os próprios não tocavam mais ao vivo em sua fase mais criativa.

Até mesmo a música de maior apelo dubitativo foi tocada nesse show. A faixa que precede a derradeira "Good Night", contestada diversas vezes como sendo ou não música, "Revolution #9" deixou de queixos caídos os presentes no local, que por sua vez, ficaram atônitos ao escutar a colagem sonora que em momento algum foi sampleada.

Seja nos teclados impiedosos de Rachel Alhadeff, na guitarra fonadora de Gustavo Camardella, na bateria expectorante de Maurício Borioni, no baixo rizotônico de David Jair, ou nas performances dionisíacas de Emerson Ribeiro, a segunda edição do show (a primeira aconteceu em novembro de 2003, numa comemoração dos 35 anos do lançamento do disco) comprovou a versatilidade de todos, e provou que é possível sentir-se novamente nos áureos tempos da Beatlemania.

Se pudéssemos definir, mesmo que apenas especulando, como seriam os Beatles hoje, se ainda estivessem juntos, certamente, não seria muito diferente da "Pepperband". Pelo contrário, ficaria muito difícil de distinguir, entre ambos, qual seriam os verdadeiros Beatles. Afinal, quem mais seria capaz de tocar "Revolution #9" ao vivo, se não os próprios Beatles?









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