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Ringo Starr
Ringo Starr
As surpresas da estrela menos brilhante dos Fab Four
Já perdi a conta do número de vezes que ouvi piadas e gozações de amigos, do tipo: "O Marcelo é tão doente pelos Beatles que compra discos até do Ringo Starr!", ou de milhões de citações em livros e reportagens sobre o grupo que rotulam o Sr. Richard Starkey como o "palhaço da banda", "baterista medíocre" e "o homem mais sortudo do mundo". Não que todos esses adjetivos e afirmações deixem de ter lá seu fundo de realidade, mas o fato é que Ringo também gravou bons discos e teve momentos luminosos em sua carreira. Basta lembrar que, nos últimos 14 anos o homem sacudiu a poeira de suas baquetas chamando velhos dinossauros do rock para acompanhá-lo na estrada nas centenas de apresentações da sua "All-Starr Band" (gente como Joe Walsh, John Entwistle, Greg Lake, Ian Hunter, Todd Rundgren, etc, etc), além de ter gravado bons discos de estúdio (ao contrário de seu colega George Harrison, que preferiu se aposentar precocemente, só lançando material novo depois de falecido!). O novo álbum - "Ringo Rama", que acabou de ser lançado também no Brasil, acrescenta mais alguns bons momentos na carreira do eterno batera dos Beatles.
Tudo bem, tudo bem... Ringo está longe do poder avassalador de bateristas de sua geração, como Keith Moon, Ginger Baker, Mitch Mitchell e tantos outros, mas é inegável que possui uma linearidade rítmica eficientíssima e uma habilidade singular para encaixar efeitos percussivos sutis (ouçam o canal do "Rubber Soul" estéreo em que a parte de Ringo está gravada), e que por isso pode ser considerado um instrumentista especial. Além é claro, de ter feito parte do grupo mais famoso da história da música popular mundial.
Quando os Beatles se separaram, a pergunta mais natural que rolava entre fãs e imprensa era o que seria de Ringo sem seus companheiros, já que não compunha com freqüência ("Don't Pass Me By" e "Octopus's Garden" foram as únicas na discografia do grupo) e também não possuía uma voz lá muito agradável. O cinema parecia ser a saída para o "clown" beatle, que havia agradado aos críticos com sua atuação em "A Hard Day's Night", "Help!" e "The Magic Christian", este último com Peter Sellers. Ainda assim, Ringo resolveu experimentar com a música. Em fins de 69, em meio às brigas e confusões que resultariam no fim da banda, ele resolveu seguir o exemplo de Elvis Presley no início da carreira e gravar um disco inteiro de presente para a... mãe! Convocou gente do calibre de Quincy Jones, os próprios George Martin e Paul McCartney e outros arranjadores talentosos para a gravação de seu primeiro álbum solo, "Sentimental Journey". Lançado em abril de 70 (4 dias após o primeiro solo de Paul), o disco só provocou risos e ironias aos críticos e decepção aos fãs, que mesmo assim colocaram o LP na 21ª posição na Bilboard. Temas jazzísticos e canções antigas do repertório americano do pós-guerra não ganharam exatamente interpretações vibrantes na tímida e anasalada voz do baterista, apesar do requinte dos arranjos de cordas e sopros.
O próximo passo foi tentar uma antiga paixão, o country americano. Ao encontrar-se com o papa do gênero, Peter Drake, nas gravações de "All Things Must Pass" de Harrison, Ringo foi seduzido pelo antigo guitarrista de Elvis, que propôs a ele a gravação de um disco inteiro em Nashville. "Beaucoups Of Blues", o resultado desta brincadeira, padeceu do mesmo problema do LP anterior, ou seja, bons músicos gravando canções razoáveis, porém sem identidade e substância na voz de Mr. Starkey. Passou ainda mais batido.
Os bons ventos soprariam a favor e de maneira empolgante no ano seguinte, 1971, quando o single com "It Don't Come Easy" alcançou o primeiro lugar nas paradas nos dois lados do Atlântico, causando surpresa geral. Na verdade, Ringo teve um little help do amigo George na composição do tema e em sua execução no estúdio. Um rock forte, de letra autobiográfica (retratando exatamente o medo do baterista em relação ao seu futuro artístico) e melodia de fácil memorização, esta é uma das grandes canções da carreira dos ex-Beatles. Estranhamente, Ringo a guardou durante um ano em seu arquivo antes de lançá-la, assim como a canção do lado B, "Early 1970", na qual ele fala de sua esperança de ver seus três colegas Beatles tocando com ele novamente. Retribuindo a ajuda que tinha do parceiro Harrison, o baterista aceitou de imediato participar do concerto em benefício dos famintos de Bangla-Desh, realizado no dia 1 de agosto de 71 no Madison Square Garden, em NY. No ano seguinte foi a vez de outro single, "Back Off Boogaloo", mais um rock vigoroso (também com George na guitarra e produção) atingir os primeiros lugares, fazendo de Ringo uma surpresa até mesmo para John, Paul e o próprio George. Mais algumas tentativas foram realizadas no cinema: "200 Motels", de Frank Zappa, filme no qual Richie interpreta o próprio Zappa e "Blindman", onde ele desempenha o papel de um bandido, foram rodados em 1971. Em 72 ele ainda apareceria no filme do concerto para Bangla-Desh, óbvio, e produziria para a Apple o documentário sobre o amigo Marc Bolan, "Born to Boogie". O ano seguinte também começou com mais um filme, "That'll Be The Day", com nosso bigdrummer interpretando desta vez um teddy boy revoltado da época de ouro do rock and roll.
Também em 1973 o que parecia impossível de acontecer acabou se concretizando num estúdio da Record Plant em Los Angeles: John, George e Ringo se reuniram para gravar a canção "I'm The Greatest" (escrita por Lennon), acompanhados por Klaus Voormann no baixo e Billy Preston nos teclados. Apesar de todas as especulações a cerca de uma "volta" dos Beatles, o que acontecia naquele momento era o início das gravações do primeiro álbum de Rock de Ringo, que levaria o seu nome no título e que traria, além de George e John, o isolado Paul McCartney (em gravações separadas das dos outros dois, óbvio) e uma constelação de astros envolvidos nas gravações (The Band, Nicky Hopckins, Harry Nilsson, Marc Bolan, entre outros). Para a produção, Ringo convocou Richard Perry, que havia participado de alguns arranjos para "Sentimental Journey" e que possuía uma excelente reputação na América como produtor. O álbum entrou para a história como "o disco que quase reuniu os Beatles numa mesma gravação", pois além da canção de Lennon o disco também ganhou três temas de Harrison (um em parceria com Ringo, o mega hit "Photograph") e um de Paul (a singela balada "Six O'clock"). Em parceria com o desconhecido Vini Poncia, Ringo compôs boas canções como "Oh My My", que lançada em single, vendeu milhares de cópias e tornou-se, ao lado de "Photograph" e "You're Sixteen" (antigo sucesso de Johnny Burnette), um dos maiores sucessos do LP e o terceiro single milionário do baterista no ano de 1973 (Lennon chegou a lhe mandar um telegrama, pedindo que lhe escrevesse um hit!). O grande triunfo de Perry foi, na verdade, dar substância e coesão ao resultado final, mesclando números de rock com a country music admirada por Ringo, bem como proporcionar um revival do clima pop-mágico dos Beatles com temas melodiosos e um tanto saudosistas, com letras irônicas e bem humoradas que tanto caracterizavam o trabalho dos Fab-Four antes de suas viagens psicodélicas. Sem dúvida, um grande momento na carreira de Mr. Starkey.
O sucesso de "Ringo" foi tamanho, que mais ou menos o mesmo time de músicos e o produtor Richard Perry foram mantidos para o próximo projeto. George e Paul desta vez não participaram, mas John estava lá de novo, disposto a emplacar mais um hit na voz de seu velho amigo, agora com a música que deu título ao novo álbum, "Goodnight Vienna". Apesar de não ser ruim, a canção não tem nem de longe a ironia, o cinismo e o peso de "I'm The Greatest", limitando-se a uma melodia inexpressiva e pouco inspirada; Os melhores momentos ficam por conta de um rock de Elton John (com a participação do próprio), "Snookeroo" e com um tema de Ringo escrito em parceria com Vini Poncia, "Oo-Wee", outro bom número de acento pesado. Os hits entretanto, vieram com a versão do antigo sucesso baba/romântico do final dos anos 50 nas vozes dos Platters (Only You) e com a quadrada "No-No Song", de Hoyt Axton, que seria gravada até por Raul Seixas no Brasil, anos depois. Aliás, o lado brega de Ringo se revelaria tambem com as horrendas "Husbands And Wifes" e "Easy For Me", esta última do maluquete Harry Nilsson, amigão nas homéricas bebedeiras de John e Ringo naqueles tempos. Enfim, um disco muito inferior ao anterior, apesar da boa receptividade do público e das emissoras de rádio. Foi, na verdade, o último trabalho de sucesso de Ringo até os dias de hoje. No ano de 74 os fãs também puderam acompanhá-lo em mais um filme, "Son of Drácula", produzido e estrelado pelo baterista, com cruciais participações de Harry Nilsson e Keith Moon. Em 1975, ele lançou apenas um compilação de seus sucessos, "Blast From Your Past", que incluiu pela primeira vez em um LP os compactos "It Don't Come Easy" e "Back Off Boogaloo" , e que serve de melhor referência para quem quer ter seu debut na carreira do baterista. Ainda neste ano, Ringo marcou presença ao lado de Roger Daltrey no filme "Liztomania", do maluquete Ken Russell, onde interpretou o papa!
No início de 1976, a gravadora dos Beatles, a "Apple Records", chegava ao fim, e com ela o contrato dos (ex) Beatles com a EMI; Ainda gozando do status de bom vendedor de discos e autor de hits radiofônicos, Ringo não teve dificuldades para assinar com outras gravadoras interessadas em tê-lo em seus casts. Na América, ele seria distribuído pela Atlantic, e no resto do mundo o seria pela Polydor. O primeiro álbum desta nova fase, "Rotogravure", resultaria porém num fiasco de proporções incalculáveis, mesmo tendo a produção de Arif Mardin - que teria papel importante na difusão da então emergente disco music - e a participação de John, Paul, Eric Clapton e o astro pop da ocasião Peter Frampton. Infelizmente tudo no disco saiu errado. Os temas compostos por John ("Cookin"), Paul ("Pure Gold") e George ("I'll Still love You") são com certeza pouco inspirados e opacos, enquanto as canções de Ringo e Vini Poncia não vão além do trivial, atingindo um nível razoável apenas no country "Crying". A versão de "Hey Baby", de Bruce Channel (e que os Beatles tocavam nos tempos do Cavern) foi a escolhida para o single, mas simplesmente não aconteceu. E ao ouvi-la, entende-se o porquê. O melhor momento ficou por conta da faixa de abertura, "A Dose Of Rock And Roll", de Carl Grossman, mas que assim mesmo estava longe de ser vibrante. O pior momento da carreira de Ringo também está em "Rotogravure": trata-se do atentado aos bons ouvidos "Las Brisas", uma espécie de guarânia (!) que levou o senso de ridículo do baterista para a sola dos nossos preciosos pés. Foi uma desastrosa tentativa de repetir a fórmula bem sucedida do LP "Ringo", com produtor renomado, ex-Beatles e estrelas do momento ajudando.
Na seqüência ainda viria o LP "Ringo The 4th", que apesar da referência aos Fabs no título e dos bons músicos envolvidos (o futuro King Crimson Tony Levin e o baterista Steve Gadd, entre outros) resultou num novo desastre, com o produtor Arif Mardin tentando transformar Ringo num astro da disco-music, santa eresia!!! Isso sem falar da capa, certamente uma das mais bregas da história da indústria fonográfica. O desempenho foi tão ruim em termos de crítica e venda, que a Atlantic não fez questão nenhuma de renovar contrato com Ringo Ele ainda insistiria com mais um disco, "Bad Boy", lançado em 1978. Mas novamente nada havia de interessante neste trabalho que justificasse sua realização, embora tenha sido um pouco melhor que o anterior (a faixa "Who Needs A Heart" até que é interessante). Um programa de TV foi realizado para promover o disco (Ognir Rrats), mas nada rolou. Meio perdidão e já separado de sua primeira mulher Maureen, o baterista passa a viver pelas boates européias e americanas enchendo os canecos, às vezes em companhia do velho amigo Keith Moon, às vezes agredindo fotógrafos insistentes, e com uma namorada diferente a cada mês.
O astral só melhoraria no início de 1980, quando conheceu Barbara Bach no set de filmagens de "Caveman", onde interpretou um homem das cavernas. Os dois resolveram se casar depois que quase partiram desta para uma melhor num seríssimo acidente de carro em maio daquele ano. "Se sobrevivemos juntos à esse acidente de carro, poderemos sobreviver juntos a qualquer coisa", disse ele ao pedi-la em casamento. A união se efetuaria um ano depois, também em Londres, quando os três ex-Beatles sobreviventes se reuniram na festa do casório. Antes disso tudo, mais animado com o namoro e com a boa receptividade do filme, Ringo resolveu voltar aos estúdios em sessões esporádicas, usando a sua mansão em Tittenhurst Park (antiga residência de John, e onde "Imagine" foi gravado), o estúdio caseiro de George em Friar Park e alguns estúdios de Los Angeles para gravar novo material, que teria canções dos três ex-Beatles (mais uma vez) e participação dos próprios, além de Stephen Stills, Ron Wood e Harry Nilsson, que também assinaram a produção. Com a morte de John em dezembro, o projeto acabou sendo adiado para o ano seguinte. Lennon havia composto dois temas para Ringo: "Nobody Told Me" - que ele mesmo gravou nas suas últimas sessões - e "Life Begins At Forty", homenagem a eles mesmos, que na ocasião completavam 40 anos de idade. Superado o trauma, o baterista completou as gravações e lançou "Stop And Smell The Roses", seu primeiro disco de moderada qualidade em 7 anos!
Nele há boas canções, como "Private Property", "Attention" (ambas de Paul McCartney), "Nice Way" (de Stephen Stills) e "Wrack My Brain", de Harrison, que lançada em single teve um desempenho razoável em programas de rádio e até um engraçado vídeo-clip para aTV. As vendas do álbum, apesar disso, foram pobres e inexpressivas. Um ano depois, Ringo voltaria a gravar, desta vez com produção do amigo e admirador Joe Walsh, ex-Eagles. "Old Wave", disco resultante destas sessões, é um excelente disco de rock, uma surpresa para quem esperava mais uma baba do baterista. É simplesmente um dos discos mais pesados e bem executados de Mr. Starkey, tendo na guitarra de Walsh e na bateria de Ringo seus melhores momentos. Pode-se dizer que nunca o seu trabalho na bateria havia sido gravado com tanto peso e qualidade. Músicas como "In My Car", "Hopeless", "She's About A Mover" e "Be My Baby" são excelentes números de rock and roll. Para completar, ainda temos no álbum as presenças de Eric Clapton e John Entwistle na jam session "Everybody's Got A Hurry But Me". Um ótimo disco enfim, mas que, devido ao desinteresse das gravadoras americanas e inglesas, temerosas em investir em mais um fracasso do ex-Beatle, só foi lançado pela RCA no Canadá, Alemanha e, acredite se quiser, no Brasil!
As gravadoras não estavam erradas no final das contas, pois "Old Wave" passou batido até por muitos beatlemaníacos, provocando no baterista um desânimo enorme para lançar material inédito em discos. No entanto, ele encontraria satisfação em tocar nos discos do velho colega Paul McCartney, além de ter co-estrelado com Macca o mal-sucedido filme "Give My Regards To Broad Street". Pouco depois, Ringo apareceria no espetacular programa em homenagem a Carl Perkins, ao lado de George Harrison, Eric Clapton, Stray Cats e Dave Edmunds. Em 7 de setembro de 1985, ele foi o primeiro Beatle a se tornar avô, com o nascimento da filha de Zak Starkey, o primogênito do baterista. Sinais dos tempos...
Personificando o típico astro milionário e esquecido pela indústria do disco, Ringo passou a se interessar por ocupações ecléticas e meio disparatadas, como por exemplo, ser dono de restaurante em Atlanta, narrador de programas de rádio, intérprete de personagens infantis na TV e estrela de comerciais para produtos japoneses. Também era figura fácil em programas de entrevistas sobre os mais variados temas, desde cinema, comida e até, claro, Os Beatles. Ainda nesta fase, o baterista chegou a participar das gravações do álbum "Cloud Nine", de George, com quem apresentou-se no show anual "Prince's Trust", para delírio da platéia.
Em fevereiro de 87, começou a gravar material novo com Chips Moman, outro renomado produtor americano de country music, eterna paixão do ex-Beatle. Morando temporariamente em Memphis para realização deste projeto, Ringo parecia decidido a reiniciar sua carreira. Porém, desentendimentos com Moman e bebedeiras seguidas provocaram o colapso das sessões, que chegaram a ter Clapton e Dylan como convidados. Ao cancelar o trabalho Ringo teve que enfrentar um longo processo por parte do produtor, que insistia em lançar o disco. Os colecionadores que obtiveram algumas gravações pirateadas destas sessões (inclusive este que vos escreve), juram que é melhor que os horrendos "Rotogravure", "Ringo The 4th" e "Bad Boy", por exemplo. A picuinha só seria resolvida dois anos depois, com Ringo pagando 75 mil dólares a Moman e arquivando o álbum, que permanece inédito até hoje. Circular pelos dois lados do Atlântico em festas, badalações e compromissos menores parecia ser a diversão principal do casal Starkey. Até que em outubro de 1988 os dois perceberam que estavam bebendo além da conta e se internaram numa clínica especializada em Tucson - Arizona, para darem um tempo no bebum.
Quando ficou numa boa novamente, Mr. Starkey voltou à ativa. Nesta altura do campeonato, em 1989, a onda de nostalgia em torno dos Beatles e dos anos 60 estava ganhando força com o lançamento em CD do catálogo da banda e com o enorme sucesso de George Harrison com "Cloud Nine" (de 87) e com seus "Travelling Wilburys" (George, Dylan, Tom Petty, Jeff Lyne e Roy Orbison) no LP homônimo lançado em fins de 88. Os Beatles haviam entrado, finalmente, para o Rock And Roll Hall Of Fame (Ringo, George, Julian Lennon e Yoko foram lá para receber homenagem em nome da banda); Os Stones também iniciavam uma mega-tourneé mundial, assim como o próprio Paul McCartney. Como eles, Ringo também era, nessas alturas, apenas um ícone do passado, um medalhão que lutava contra o tédio do estrelato, inativo e eterno, um artista cujo público só poderia ser constituído de velhos fãs e eventuais interessados em ver de perto uma lenda viva e já descartada pela indústria fonográfica.
Para se divertir e se ocupar, o baterista chamou colegas que viviam momento semelhante para cair na estrada, tocar velhas canções e relembrar os bons tempos. Assim, a "Ringo & His All-Starr Band" iniciou sua série de apresentações pelos Estados Unidos em Dallas, no dia 23 de julho de 1989. O grupo era formado por Clarence Clemons, Rick Danko, Levon Helm (ambos ex-membros da Band), Jim Keltner (velho colaborador das carreiras solo de Ringo, John e George e um dos mais respeitados bateristas de estúdio), Nils Lofgren, Billy Preston (outro velho amigo dos Beatles), o mago Dr. John e Joe Walsh, grande amigo e colaborador de Ringo. Pela primeira vez em 15 anos, um projeto comandado por "The Nose" dava retorno: a tourneé foi um sucesso maior que o esperado, lotando teatros e estádios pela América, Canada e Japão. Um CD e um vídeo foram lançados com relativo sucesso de vendas. O repertório de Ringo era o de seus hits solo ("Photograph", 'You're Sixteen" , "No No Song", "It Don't Come Easy" e canções gravadas com os Beatles, como "Boys", "Act Naturally" e "Yellow Submarine", por exemplo).
Apesar da constelação de astros que o acompanhavam nestas apresentações, as músicas do baterista soavam um tanto circenses e caricatas, e a própria presença de Ringo em palco era mais lúdica e despretensiosa, como o foi afinal de contas, sua carreira solo desde o princípio. Ao contrário dos outros músicos, que se esforçavam para reproduzir seu material com mais energia e fidelidade ao seu espírito original, o ex-Beatle deixava a desejar em suas versões, como se não se levasse a sério. Os melhores resultados eram os temas de rock and roll, como "Honey Don't" , "I Wanna Be Your Man" e "Boys". Pensando bem, Ringo nunca se levou muito a sério mesmo.
A "All-Starr Band" voltaria aos palcos dois anos depois, em shows pela Europa e uma inusitada apresentação no Montreux Jazz Festival em 1992, com formação um tanto diferente e mais pesada nos arranjos, com Todd Rundgren e Dave Edmunds entre os membros. Ironizando a platéia na abertura do show em Montreux, Ringo se apresentou: "Estou certo que vocês não me reconhecem como um baterista de jazz...", para na seqüência tocar "I'm The Greatest". O público, evidentemente não o habitual naquela noite, vibrou. Mais um CD e um vídeo seriam lançados no ano seguinte, demonstrando que esta nova formação era superior à anterior, sendo que até os temas de Ringo soaram mais pesados e consistentes. Porém, a boa surpresa (e o motivo desta nova série de shows) era o lançamento do melhor disco do ex-Beatle desde o clássico "Ringo". "Time Takes Time" foi fruto do estímulo sentido por Ringo com sua bem sucedido retorno ao show-bizz. Para tanto, o baterista convocou jovens músicos americanos do grupo Jellyfish And The Posies, entre outros, mais os produtores Don Was, Jeff Lyne, Peter Asher e Phil Ramone - todos sintonizados com o mercado pop da época - para a realização do álbum. Ringo mesmo compôs algumas canções com Johnny Warman e com Jeff Lyne e escolheu outras tantas de maneira criteriosa. Quando o disco ficou pronto, foi assinado um contrato com a Private Records e "Time Takes Time" foi lançado, em maio de 1992, no início da nova temporada da "All-Starr Band". E creiam, é um grande disco. A referência é a de sempre, com números pesados de rock ("After All These Years" , "Don't Believe In You" , "Don't Go Where The Road Don't Go") e puro pop beatle ("Don't Know A Thing About Love", "Weight Of The World", "What Goes Around").
Mas o mais importante é que Ringo, desta vez, não deu chances às suas breguiçes habituais e produziu um excelente disco de rock and roll. Isso não foi suficiente para fazer deste CD um hit, obviamente, simplesmente porque os tempos eram outros e a molecada queria mesmo era ouvir Nirvana, Soundgarden e Pearl Jam, bandas que estavam injetando sangue novo no rock nesta ocasião, e não havia mais mercado para Mr. Richard Starkey há pelo menos 18 anos... Mas para os fãs que compravam tudo que era relativo aos Beatles, "Time Takes Time" é um dos melhores discos na discografia dos ex-Beatles. Um dado interessante de Ringo é que, diferentemente de George Harrison, ele parecia não esquentar muito a cabeça com o fato de não vender mais discos; Depois do projeto Anthology, que reuniu os três sobreviventes da banda mais importante do século (e que aí sim, os levou de volta ao topo das paradas e da mídia), Ringo voltou a reunir sua "All-Starr Band" com outros músicos (John Entwistle, Mark Famer, Randy Bachman e o filho Zak, entre outros) e partiu para o Japão e Estados Unidos. Um novo CD seria lançado, desta vez em edição limitada pela Blockbuster. Peça de colecionadores, pois o repertório de Ringo com a "All-Starr" não muda nunca...
No início de 1997 o baterista resolve iniciar as gravações de mais um CD, ao mesmo tempo em que parte para a quarta série de shows com a "All-Starr Band" pela América, Europa e Japão. Desta vez o time incluía Jack Bruce, Peter Frampton, Simon Kirke e Gary Brooker. Em junho do ano seguinte, é lançado o CD "Vertical Man", mais um excelente disco de Ringo Starr, co-produzido por Mark Hudson e com participações de Paul, George (em duas faixas), Brian Wilson, Alanis Morisette, Tom Petty, Jeff Lyne e outros excelentes músicos de estúdio. "The Nose" conseguiu realizar seu trabalho mais pesado e influenciado pelo psicodelismo de cores beatleficadas. Dispondo de melhores condições tecnológicas e de arranjos complexos de Hudson e dos Roundheads (a banda de apoio que tocou no disco), Ringo surpreendeu fãs com canções vibrantes como "One" (a mais beatle de todas), "'What In The...World", "Mindfield" e "I Was Walking", além de uma regravação pesadíssima de "Love Me Do".
Um single com uma canção mais pop e de refrão semelhante ao de "Hey Jude", chamada "La De Da" foi lançado, mas nada aconteceu. Ringo deu um tempinho na "All-Starr" e realizou uma campanha pesada na mídia, apresentando-se em programas de TV badalados como o "Storytellers" da VH1 acompanhado pelos Roundheads e concedendo várias entrevistas. O CD não emplacou, infelizmente, mas desta apresentação na TV saiu o disco ao vivo "Storytellers", com a melhor apresentação já realizada pelo baterista em toda a sua carreira. Canções como "Octopus's Garden", "Don't Pass Me By" (dos Beatles), "Back Off Boogaloo", "It Don't Come Easy" e outras ganharam um peso e uma força inéditos em gravações de Ringo até então. E isso tudo em razão do incrível entrosamento de Mark Hudson e dos Roundheads com o ex-Beatle. Um CD memorável, uma gratíssima surpresa que pode agradar não apenas o colecionador dos Beatles, mas o admirador do bom rock em geral. Infelizmente Ringo não chamou os Roundheads para sua nova série de shows com a "All-Starr Band" ainda em 1998, que Incluiu até a Rússia na agenda. Levou o time do ano anterior e repetiu o mesmo repertório de sempre e os mesmos arranjos fraquinhos que caracterizam sua perfomance nestes shows, que se estenderiam por 1999 demonstrando contudo o vigor e a incrível disposição de um homem de quase 60 anos de idade naquele época.
Ringo se uniu ao produtor Hudson e aos Roundheads ainda em 99, mas para gravar um CD composto apenas e tão somente de músicas natalinas! Tudo com o peso de puro rock and roll, mas desta vez o resultado ficou esquisito, desconexo e errático. Perfeitamente desprezível.
Durante os anos de 2000 e 2001, o vovô Ringo Starr, já além dos 60 anos, seguiu adiante sua carreira de dinossauro do rock apresentando-se em incansáveis tourneés com a "All- Starr Band", cujas formações vão ficando cada vez menos interessantes. Em 29 de novembro, George Harrison morre de câncer e Ringo assume com o velho Macca o posto de sobrevivente dos Beatles. Ambos estão na estrada, com um vigor assustador para suas idades e com apelos nostálgicos que quase sempre beiram a auto-caricatura, mas nossos corações não deixam de vibrar com tal fato. E mais ironia ainda nos invade quando lembramos que, há mais de 30 anos atras, duvidamos que Ringo fosse adiante sem seus companheiros. É claro que o baterista deixou de ter uma função evolutiva e possivelmente revolucionária na música popular quando os Beatles se separaram em 1970, mas é notável seu carisma, seu vigor, entusiasmo e paixão pelo rock and roll, mesmo depois de tantos fracassos em projetos solos. "Ringo sempre foi muito subestimado como baterista", comentou Phil Collins certa vez. E com certeza ele tem razão, mas igualmente subestimados foram alguns de seus discos, muitos deles, como procurei descrever aqui, trazendo boa música pop. Para quem quer conhecer o "mais fraquinho" dos Beatles, além do catálogo antigo, terá a oportunidade agora com "Ringo Rama", mais um bom CD de rock dado de presente pelo velho Ritchie, que neste momento percorre novamente os EUA com mais uma turnê, acompanhado de sua All-Starr Band. É só rock and roll, meu amigo...mas eu gosto!
Discografia recomendada
Ringo (apple/emi, 1973)
Blast From Your Past (coletânea, apple/emi, 1975)
Old Wave (Capitol/Right Stuff, 1983)
Time Takes Time (private, 1992)
Vertical Man (mercury, 1998)
Storytellers (mercury, 1998)
All -Star Band Anthology (triplo, Emg, 2001)
Ringo rama (koch Records, 2003)
(todos importados)
No Brasil, os únicos títulos disponíveis são: "Beaucoups Of Blues" (Apple/Emi) "Goodnight Vienna" (Apple/Emi) e o "All-Starr Band Anthology".
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